Meus queridos irmãos,
A Solenidade do Corpo e Sangue de Cristo é festa oportuna para reflexão sobre a Aliança de Deus com o gênero humano. Aliança iniciada no Antigo Testamento e que ilumina o Novo Testamento com a instituição da Eucaristia pelo Redentor da Humanidade, para perpetuar entre nós a nova e eterna Aliança de Deus com a humanidade inteira. Em Jesus o Pai, nos acolhe, nos serve e nos alimenta, fazendo comunhão conosco.
A solenidade do Corpo e Sangue de Cristo tem uma mensagem eminentemente catequética para o povo de Deus: em todas as missas nós caminhamos rumo à mesa da Comunhão.
Mas, o que é a Comunhão? A Comunhão é o sacramento de Deus que se oferece a nós como alimento de graça, alimento de purificação, alimento de santificação, alimento de comum união com o Criador, que nos leva, de maneira coercitiva, pelo próprio gesto à comunhão com as criaturas humanas. Comunhão de Deus conosco e com a nossa comunidade, com o nosso irmão, especialmente com o irmão sofredor, com o irmão excluído, com o irmão que vive à margem do sistema excludente que continua excluindo o pobre povo brasileiro. Comunhão que nos coloca em sintonia com o mistério da fé, mistério de salvação.
Com a festa da Santa Eucaristia, Cristo é atualizado para as nossas comunidades. Ele é o “jovem”, Ressuscitado há dois mil anos, que sempre se dá a cada um de nós como alimento diário para levar adiante nossa caminhada e colaborar com a edificação do Reino de Deus entre nós.
Irmãos e irmãs,
A Santa Eucaristia é o Sacramento para as criaturas humanas. Um Sacramento que em todos se encontram iguais entre iguais, formando uma verdadeira comunidade. Porém, é um Sacramento feito de pão e de vinho, duas criaturas irracionais e quase sempre realizado sobre uma mesa de pedra, o altar. Parece um verdadeiro encontro da natureza em todos os seus elementos. Relembrando Santo Irineu, não foi por acaso que Jesus quis fazer-se presente no pão e no vinho, dois produtos da terra, amaldiçoada no pecado de Adão, e isso para que nós tenhamos a certeza de que Jesus refez em si não só a criatura humana, mas a própria natureza e o cosmo, a terra em seu sentido mais concreto.
Pela Ressurreição de Cristo, homens e mulheres, criaturas e toda a humanidade, terra e céu, lagos e orvalhos, todos, indistintamente, foram recriados para, num verdadeiro hino de louvor e de ação de graças, pelo Corpo e pelo Sangue Precioso de Jesus, tornar-se Eucaristia, mistério máximo de nossa salvação.
Meus irmãos,
A palavra central da liturgia deste ano é ALIANÇA. Deus Conosco faz aliança com o seu povo a partir da Cruz Redentora de Cristo.
Na primeira leitura (Cf. Ex 24,3-8) Israel experimentou seu Deus como Aquele com quem tinha uma Aliança. Era um aliado, embora a relação fosse “feudal”, com Deus como suserano e Israel como vassalo, ou como muitas pensavam uma Aliança militar, de libertação. Mas eram unidos por amizade e fidelidade e – em princípio – podiam contar um com o outro. Esta Aliança foi instituída, mediante Moisés, em vários momentos. Um momento era a promulgação da Lei, que tem a forma de um pacto feudal, conforme nos ensina em Êxodo 20. Outro era o sacrifício, em que o mesmo sangue do animal mais precioso – o touro – foi aspergido em parte sobre o altar e em parte sobre o povo. Deus e povo unidos pelo mesmo sangue (Ex 24).
A plena realização deste modelo é Jesus Cristo. Em seu sangue foram unidos Deus e o novo povo de Deus. A hora deste sacrifício foi à hora da cruz. As palavras da NOVA ALIANÇA foram pronunciadas à sombra da cruz, na noite precedente, durante a celebração da Páscoa de Jesus e seus discípulos. Como ainda não foi derramado o sangue, o vinho vermelho o substituiu – vinho da taça erguida a Deus em agradecimento pela libertação do povo, conforme prescrevia o rito pascal, vinho da taça que Deus não retirou do Filho, quando este, em agonia, rezou: “Afasta de mim este cálice, mas não a minha, porém a tua vontade seja feita” (Mc 14,36). E, consequentemente, o pão partido e distribuído se transformou em sinal sagrado daquele que se doaria por seus irmãos até o fim. É a nova Aliança, que Deus novamente unido com seu povo, não mais por laços feudais, mas pela própria vida do Filho, dada em corpo e sangue por nós. Este é o resumo do Evangelho.
Meus irmãos,
A segunda leitura (Hb 9,11-15) fala da Nova e Eterna Aliança. Em vez de documento escrito, a cruz redentora. Em vez de sangue dos animais, o sangue de Jesus. Em vez de um profeta que fosse mediador, o próprio Filho de Deus que, sem deixar a divindade, assume a nossa humanidade, a nossa carne. O próprio Deus revestido da humanidade e primogênito de todas as criaturas assume o mistério central da nova e eterna aliança de Deus com os homens.
A carta aos Hebreus ressalta constantemente a plenitude do sacrifício e do sacerdócio de Jesus; ele é o verdadeiro sumo sacerdote, pontífice, o mediador entre Deus e a humanidade que não recorre a subterfúgios, como sangue de animais, incapazes de substituir sua doação plena na cruz. Jesus ofereceu-se a si mesmo em um único e definitivo sacrifício. Seu sangue derramado teve como único fim reconciliar a criatura humana com Deus, e esse ato já não precisa ser repetido. Assumindo a rejeição, passando por morte violenta e perdoando, em nome de seu Pai, toda incredulidade e ódio, Jesus se torna o mediador da Nova Aliança. Impelido pelo Espírito Santo, entrou no santuário livremente, mediante o sacrifício de seu sangue, pelo qual todos fomos purificados. Para os cristãos, ele é o sacrifício e o sacerdote ao mesmo tempo.
A mensagem dessa carta apostólica é que o culto da Antiga Aliança foi substituído pelo sacrifício de Jesus e, portanto, os cristãos não devem abandonar a vida cristã. Assim como o sumo sacerdote, no Antigo Testamento, tinha direito de acesso ao Santo dos Santos por carregar o sangue dos animais, a vida de Jesus, oferecida em sacrifício, dá-lhe o direito de acesso ao santuário celestial. A ênfase está no sacerdócio eterno de Jesus, em contraposição ao sacerdócio transitório do Antigo Testamento; ressalta-se a eternidade do sacrifício único de Jesus, em contraposição aos sacrifícios de animais repetidos pelos sacerdotes no dia da expiação. Jesus, como vítima sem mancha, redimiu toda a humanidade por sua oferta na cruz.
Caros irmãos,
O Evangelho (cf. Mc 14,12-16.22-26) sela a nova e eterna aliança entre Deus e os homens. Uma aliança que nos anima a vida, que expia nossos pecados e que inflama nosso coração de solidariedade.
A Eucaristia é ceia de libertação. Libertação de nossos pecados que são lavados pela Cruz Redentora. Eucaristia que é comunhão que conta com a presença de Jesus. Não a sua presença física, mas a sua presença verdadeira. É o próprio Cristo que dá o seu corpo e o seu sangue como alimento de nossa salvação.
Eucaristia que personifica e nos lembra a presença/alimento que nos garante a participação na vida divina. Quando comungamos, o Cristo/alimento é que nos assimila e nos diviniza, elevando-nos de criaturas insuficientes à gloriosa condição de Filhos de Deus.
O Antigo Testamento falava em vida, expiação e solidariedade. Tudo isso está presente na Eucaristia. Assim nos fala o próprio Jesus: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna” (Jo 6,54).
Os evangelhos sinóticos caracterizam a última ceia de Jesus com seus apóstolos como a refeição pascal, celebrada pelo Senhor em antecipação dos acontecimentos que estão para se cumprir. O sentido dessa refeição está nas próprias palavras de Cristo: seu corpo e seu sangue doados por todos como sacrifício da Nova e Eterna Aliança. Na perspectiva teológica do evangelista Marcos, Jesus celebra a última ceia pascal no primeiro dia dos Pães Ázimos, quando se imolava o cordeiro. O relato põe em evidência que é o próprio Jesus quem orienta os discípulos e prepara sua Páscoa, na qual se realiza a plena libertação, a Nova Aliança no seu sangue.
São Marcos tem o cuidado de inserir, como pano de fundo da ceia pascal de Jesus, o texto eucarístico transmitido pela tradição litúrgica. Dessa maneira, no tocante às palavras de Jesus sobre o pão e o vinho, tem-se a certeza de que foi conservado seu sentido genuíno, graças ao testemunho vivido de toda a comunidade cristã. Jesus, como mestre e guia de seu grupo de discípulos, preside a mesa e, portanto, pronuncia a bênção ou oração de agradecimento sobre o pão, antes de distribuí-lo aos convivas. Ele, contudo, dá um sentido novo àquele gesto ritual. Seus amigos estavam acostumados a comer juntos com Jesus, mas, na sua experiência de vida junto a ele, conheceram momentos em que a refeição tinha assumido um significado novo. Na véspera de sua morte, não eram necessárias muitas palavras, mas o essencial: “Isto é o meu corpo, que é doado por vós”. Ele se doa totalmente, antecipando o gesto de doação plena que acontecerá na cruz.
A Eucaristia é a síntese do mistério da redenção operado por Jesus Cristo. Os antigos cristãos designavam com a mesma palavra Corpus Christi, tanto o corpo nascido da Virgem Maria, o corpo eucarístico e o corpo eclesial. Receber o corpo de Cristo na Eucaristia compromete-nos a viver e construir a unidade na família, na Igreja e na sociedade. Quem de nós fomentar divisões, espalhar inimizades, quem separar as pessoas, as famílias, a Igreja e a sociedade, não deveria comungar, pois comunga indignamente o Corpo de Cristo. Precisamos, todos nós, de conversão como passo primeiro da comunhão.
Estimados irmãos,
Hoje a Igreja celebra a solenidade do Corpo e Sangue do Senhor. Nessa festa, fazemos memória do mistério de Jesus Cristo livremente aceitar sofrer por nós, estar disposto a derramar seu sangue por nós. Todas as vezes que celebramos a Eucaristia, recordamos que Jesus morreu e derramou seu sangue por nós, e agora ele continua vivo e presente para sempre em nosso meio. Assim, tornou-se para nós um sacramento de unidade. Jesus está presente entre nós aqui e agora, e em todos os lugares onde o celebramos na Eucaristia. Na santa Eucaristia, sob as aparências de pão e vinho, o Senhor Jesus Cristo está contido, é oferecido e recebido. O Cristo inteiro está real, verdadeira e substancialmente presente na santa Eucaristia. Isso significa que na Eucaristia encontramos a pessoa de Jesus Cristo.
A primeira leitura nos recorda que o povo de Deus muitas vezes foi infiel à Aliança. Falhou em cumprir sua própria parte do acordo. Isso também ocorre quando comungamos o corpo e o sangue do Senhor, mas entramos em acordo com as práticas de pessoas que não estão em comunhão com Deus, que não comungam das propostas de Jesus Cristo.
Para o cristão, comungar é ser alimentado pela vida de Jesus e, assim, fortalecido pela sua presença na Eucaristia, ser capaz de amar como ele ensinou. Comungamos na Eucaristia para sermos discípulos dele. Esta solenidade leva-nos a interrogar: a Eucaristia é fonte de minha doação a Deus e aos irmãos? A Eucaristia é de fato vital para mim? Adorar Jesus presente na Eucaristia me faz uma pessoa mais fiel aos meus compromissos com Deus e com os outros?
A instituição do sacramento da Eucaristia é um grande dom que Jesus nos deixou. A Palavra da Salvação e a Eucaristia são dois elementos essenciais do ritual cristão, desde o início do cristianismo. Se o alimentar-se da Palavra e da Eucaristia é vital para a vida de todas as pessoas que seguem o caminho do discipulado de Jesus, aproximamo-nos de Cristo Palavra e Eucaristia com a devida intensidade?
Meus amigos,
A Festa de “Corpus Christi” é o momento solene em que a Santa Igreja nos convida a fazer um culto público do Senhor Ressuscitado, que caminha conosco no nosso itinerário de salvação. Com grande júbilo, enfeitamos as ruas para que o Senhor Ressuscitado passe sendo homenageado o Senhor da Vida, com a genialidade da arte-sacra que aproveita este momento de evangelização sobre o valor universal da Eucaristia. Que este culto público seja agradável ao Senhor Eucarístico nascendo em cada um de nós um amor que se torna sacrifico dedicado ao Santo, a Deus. Amor que doa corpo e sangue, vida.
A celebração de hoje tem algo de vital, algo que deve mexer com nossas vidas. Devemos unir-nos a seu amor, entregando nosso corpo e sangue para pô-lo a serviço de nossos irmãos. Assim, todos seremos consagrados com Jesus, “oferenda perfeita” com Cristo.