“Ultum tuum, Domine, quæsivi” – Cardeal Moreira Neves – OP
“Oh morte, onde está a tua vitória!” (1Cor 15,55b)
“Como Jesus Morreu e Ressuscitou, Deus ressuscitará os que Nele morreram. E, como todos morrem em Adão, todos em Cristo terão a vida” (1Cor 15,22; 1 Ts 4,14)
Celebramos, dia 2 de novembro, a esperança cristã. Relembrando da única realidade certa de nossa vida, a morte, somos todos convidados a refletir sobre a nossa existência neste mundo, a nossa conduta, a nossa religiosidade e o que apresentaremos ao Deus da Vida no dia do Juízo.
Em Finados, celebramos a liturgia da esperança cristã. Isso porque todos nós temos que contemplar a irmã morte como a companheira certa, depois de combater o bom combate e terminar a carreira, esperando levar pelo menos a fé até Nosso Redentor. Tudo isso dentro da esperança cristã de que a vida não é tirada, mas continuamente transformada, relembrando o Prefácio da Liturgia dos Fiéis Defuntos.
Ora, se Jesus Cristo ressuscitou para a nossa salvação, a morte não é o fim, mas o começo da vida em Deus, com Deus e para Deus. Vivemos permeados pela presença amorosa de Cristo e morremos na esperança de que Ele nos acolherá, com misericórdia e candura, nos seus braços generosos.
Por isso, é muito importante traduzir o Mistério de Deus e a completude da existência.
A primeira leitura de hoje nos relembra uma expressão muita cara à minha caminhada: “Sentir-se na palma da mão de Deus” (Sb 3,1). Esse estar “palma da mão de Deus” é sentir-se protegido, observado atentamente, no côncavo que se forma a anatomia humana da mão ao segurar algo. Esse recolhimento na mão de Deus não nos permite aproximarmos do abismo, porque ela [a mão] se transforma, então, num espaço ilimitado, é um todo que nos guarda sob o olhar divino.
E, como São Paulo nos exorta, a caminhada e a existência cristã é, nada mais, nada menos, o estar unido com Cristo na Ressurreição, o que é simbolizado pelo batismo, que nos purifica do pecado e nos torna amigos do Salvador do gênero humano. Unido com Cristo, na participação dos Santos Sacramentos, na vivência de sua Palavra, na prática das virtudes que enriquecem nossa alma… sempre sob o olhar de Deus, na palma de Sua mão.
Irmãos e irmãs,
A Igreja sempre nos convidou a refletir sobre a realidade da morte.
Por que isso? Porque a morte é a memória da ressurreição.
Hoje, somos convidados a relembrar os mortos queridos, ou os entes queridos, os familiares, nossos benfeitores já falecidos. Hoje é dia de relembrar do pároco e do bispo que nos precederam na vida eterna, que tantos benefícios distribuíram em favor de nossa santificação pessoal; a santidade, meta cristã que refletimos, ontem, na liturgia da solenidade de Todos os Santos e Santas de Deus.
Os mortos vivem em Deus; é a comunhão dos santos, que nós cremos e professamos: “Creio na comunhão dos Santos, creio na ressurreição da carne, creio na vida eterna”.
Crer na comunhão dos santos é dizer que, enquanto peregrinamos neste vale de lágrimas, vivemos (Igreja Militante) unidos pela fé com os que estão no Purgatório (Igreja Padecente), que celebramos hoje, e com os que estão no Céu (Igreja Triunfante), solenidade de 1º de novembro. E o principal que constitui essa “comum união” é o enlaçamento com Nosso Senhor Jesus Cristo, cabeça do Igreja, formando o seu Corpo Místico.
A reflexão da morte não deve, portanto, ser a partir do sentimento de desolação da perda, de um fim, mas um doce começo da mais importante fase da vida: quando se inicia a sua plenitude, a vida eterna, contemplando o Absoluto face a face. Mortos para o mundo, vivificamos para a vida plena.
Chorar a morte dos entes queridos é da natureza humana. Até Cristo chorou a morte do amigo Lázaro. O consolo, todavia, encontramo-lo na certeza da ressurreição.
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A morte nos leva a refletir sobre dois pontos centrais de nossa fé. Primeiro, a vida é sempre um estado de espera, desde o nascimento, ao longo do processo de crescimento e de formação, a juventude, a idade adulta, a idade avançada, sempre estamos esperando. No dia final, de tanto esperar, nós encontraremos a visão beatífica de Deus, como nova criatura destinada a viver para sempre junto de Deus. Quando morremos, segundo São João, nós nos tornamos semelhantes a Deus, porque O veremos como Ele é (1Jo 3,2).
A segunda imagem que devemos tê-la em mente é a do BATISMO. Todos nós, hoje, somos convidados a refletir e revigorar o nosso batismo. Por meio desse primeiro Sacramento morremos pela primeira vez. É a morte do homem corrompido pelo pecado original e o renascimento para a vida da graça sacramental em Cristo Jesus. A morte é, pois, parecida ao Batismo. Somos despidos da veste corruptível, que é o corpo, submerso que fica na terra, de onde ressuscitará com uma veste nova no último dia, que é o corpo glorioso da ressurreição.Todos nós vivemos para um dia ver a Deus, um dia estar com Deus no absoluto, porque São Paulo já cantou: “Para mim, morrer é lucro, o importante é estar em Deus, o Salvador!” (Fil 1,21).
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Prezados irmãos,
Gostaria de comentar as leituras do primeiro formulário de missa dos três disponibilizados para a Missa de Finados.
Na primeira leitura – Jó 19,1.23-27a – Jó gostaria que suas palavras ficassem gravadas na rocha para sempre. Eis uma bonita expressão do desejo de eternidade do ser humano. Suas palavras continuam registradas em nossas Bíblias. Melhor seria que estivessem gravadas também em nosso coração. O desejo de Jó é o de todos nós: um dia contemplar a Deus face a face. Aos falecidos é dado viver esta realidade.
Na segunda leitura – Rm 5,5-11 – Cristo, com sua morte, tornou-nos justos e nos reconciliou com Deus para vivermos a esperança que não decepciona. Essa esperança nos ajuda a viver melhor neste mundo, para um dia eternizarmos nossa vida junto com os que já partiram e contemplaram a face de Deus.
No Evangelho – Jo 6,37-40 – a vontade de Deus é que creiamos em Jesus e nele tenhamos a vida eterna. Desde o início de sua missão, Jesus sempre procurou defender a vida daqueles que o Pai lhe confiou. Quem segue Jesus na caminhada terrena prepara-se bem para estar junto a Deus na eternidade. Esta é a vontade do Pai: quem crê em seu Filho terá a vida eterna. Jesus veio ao mundo para nos indicar o caminho que conduz ao Pai.
Irmãos e irmãs,
A morte para o cristão é a pedra de toque de sua vida. O arcebispo de São Salvador, Dom Lucas Cardeal Moreira Neves – OP, deu-nos um edificante exemplo de fé na misericórdia de Deus, a quem consagrou a sua vida: “Vultum tuumn, Domine, quæsivi”, inspirado, certamente, em Santo Anselmo, nas suas lucubrações sobre a existência de Deus. Rezava o venerando Cardeal: “Passei a minha vida na busca do rosto sereno e radioso do meu Senhor. Agora o encontrei.”
Na esperança desse encontro, alimentados pela esperança de tantos que, como Dom Lucas, desfrutam dessa vivência eterna com Deus, rezemos pelos mortos.
Rezemos pelos papas, bispos, padres, religiosos, religiosas e fiéis leigos que ajudaram a construir a grande Igreja de Deus, plantada com tanto suor nas terras em que peregrinamos e que, fiéis ao Batismo, encaminharam os corações para ver a Deus.
Que, do Céu, a Igreja Triunfante se una a esta Igreja Militante para que, na comunhão dos santos, unamo-nos à Igreja Padecente em seu sufrágio e obtendo dela a participação nessa tríplice comunhão, na esperança de podermos, também, um dia, alcançarmos a plenitude da vida em Cristo Ressuscitado.
Repito, a esperança cristã nos diz que nossa vida continuará após a morte, quando seremos transformados e obteremos um corpo glorioso. Assim, o homem e a mulher, como um todo, ressuscitam e participam da alegria e da paz eterna. Dificuldades em aceitar a morte são naturais à natureza humana. Mas urge nos despirmos da tristeza e, repletos de esperança cristã, com doce alegria, rezarmos para que todos nos encontremos reunidos na casa do Pai.
Essa é a nossa fé e é essa a nossa maior esperança.
Que as almas dos fiéis defuntos, pela misericórdia de Deus, descansem em paz!
Amém!
Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura.