Viva o seu domingo na dimensão da Santa Eucaristia. Alimente-se do Senhor e testemunhe o Ressuscitado!
Meus irmãos,
Missa do 9º Domingo do Tempo Comum, colocado depois da celebração das Solenidades da Santíssima Trindade e de “Corpus Christi”, poderia ser resumida como Jesus, o Senhor do Sábado.
Na primeira leitura(cf. Dt 5,12-15) estamos estudando a instituição do sábado, com as suas múltiplas interpretações do Antigo Testamento. A instituição do sábado, que é o dia de repouso, é mencionada nos trechos mais antigos da Lei (Ex 23,12; 31,12-17; 34,21) e dos Profetas (cf. Am 8,5; Os 2,13). O capítulo 5 do livro do Deuteronômio relaciona esta instituição com a libertação do Egito.
Pois só um povo liberto pode “libertar” um dia para Deus. E todas as classes sociais devem participar, pois, senão, é “dia livre” (cf. Dt 5,14). Assim, o sábado, além de ser um agradecimento a Deus, é também, uma instituição que favorece o senso social, tão característico da legislação deuteromista. É o dia da libertação.
No hino da criação – Gn 1,1-2,4: o homem deve descansar no sábado, em sinal de adoração de Deus, que descansou de sua obra, no sétimo dia. Uma outra visão do sábado encontra-se na teologia deuteromista, em redor de Sofonias e Jeremias. Insiste no valor humano do sábado, por isso devem participar, também, os escravos e até os animais, mas sobretudo na referência à Aliança: como na Páscoa, também o sábado é uma lembrança da libertação do Egito. Os dois pensamentos são unidos no raciocínio de Dt 5,15: deixa teu escravo descansar, porque tu também foste escravo no Egito e o Senhor te libertou. Nesta visão, o sábado tem um grande valor social: conscientiza os israelitas de que eles são uma comunidade dedicada a Deus. Na mesma linha situa-se o ideal do ano sabático como ano de restauração da comunidade pela restituição das terras e a anistia das dívidas.
O farisaísmo do tempo de Jesus fez do sábado uma espécie de tabu: intocável. Contudo, já que se devia viver, admitiam uma certa casuística, como aquela mencionada em Lc 13,15; 14,5 e Mt 12,11. Em vez de ser elemento da amizade que une Deus com seu povo, sábado torna-se uma lei bastante extrínseca, com a qual é preciso negociar. Esquece-se o sentido da instituição sabática – a misericórdia divina e a dignidade humana -, sobrando apenas a forma: a prescrição da não-atividade. É o que chamamos de formalismo, e que, como uma “praga moderna” olha só a forma externa dos ritos e se esquece da conversão e da efetividade de um coração voltado para a misericórdia divina.
Caros irmãos,
Uma compreensão anárquica da realidade poderia relativizar os preceitos do Decálogo do Deuteronômio e, mais concretamente, de “guardar o dia de sábado para o santificar”. Há que ter em conta que a Lei é sobretudo instrução paternal de Deus, uma oferta para o seu Povo, para regular as relações em sociedade. O importante na primeira leitura é o assento do verbo “Santificar”. Destacámos para o sábado e podemos fazê-lo para o domingo cristão as duas fundamentações teológicas expressas no livro do Êxodo e do Deuteronômio, respetivamente, fazendo memória do repouso do Senhor, depois da obra da criação, e da sua obra de libertação da escravidão do Egito. É importante voltar aos fundamentos da celebração do Dia do Senhor, vivendo-o como memorial da libertação do Pecado na Páscoa de Cristo que atualiza a obra libertadora de Deus da escravidão do Egito.
Constatamos de que a celebração do Dia do Senhor – sábado para os judeus e domingo para os cristãos – tem uma grande dimensão social, sendo dia de descanso para todos, garantindo esse direito sobretudo aos pobres que se veem assim protegidos pela Lei divina. Como ensina o Catecismo da Igreja Católica: “O agir de Deus é o modelo do agir humano. Se Deus “descansou” no sétimo dia, o homem deve também “descansar” e deixar que os outros, sobretudo os pobres, “tomem fôlego”. O sábado faz cessar os trabalhos quotidianos e concede uma folga. É um dia de protesto contra as servidões do trabalho e o culto do dinheiro” (n. 2172).
O texto do Deuteronômio socorre-se de uma tradição antiga, que está na origem de Israel como Povo, para redefinir a própria identidade em tempo de crise, concretamente no tempo do exílio e pós-exílio. A celebração do Dia do Senhor pode ser um bom recurso para recuperar a identidade cristã. De facto, se no passado irmãos nossos deram a vida para defender o domingo: “Não podemos passar sem o domingo”, diziam diante do cônsul que os condenaria à morte, como quem diz, “sem nos reunirmos em assembleia ao domingo para celebrar a Eucaristia não podemos viver”.
Meus irmãos,
Jesus foi original e fez uma releitura do sábado (cf. Mc 2,23-3,6). Nosso Senhor foi categórico: “O sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado” (Mc 2,27). Jesus defende a posição de que é permitido fazer o bem no dia de sábado (Mc 3,4). Dentro desta visão humanista do sábado, São Marcos esconde mais uma “revelação velada” da autoridade divina de Jesus. O sábado é feito para o homem, e o Filho do Homem é o dono do sábado. Em miúdos: Jesus se posiciona como Senhor e Juiz escatológico, em que se pode fazer o bem no sábado, bem como Jesus desafia seus adversários, conhecido seu ódio mortal com a seguinte pergunta: “É permitido fazer o bem ou fazer o mal, salvar uma vida ou matar? Jesus fez o bem e salvou uma vida; eles fazem o mal e ameaçam a sua vida. O que está em questão não é tanto o sábado, quanto a própria pessoa de Jesus, mas a sua “autoridade”.
Jesus, assim, não apenas propõe uma interpretação humanitária do sábado. Ele provoca uma decisão. Sua interpretação humanista encarna o reconhecimento da autoridade do Filho do Homem, que vem trazer presente visão de Deus, sobre a nossa vida. E Jesus rejeita, com veemência, a dureza do coração que ele vem julgar.
Jesus é o senhor absoluto do sábado: o sábado ilustra o mistério do filho de Deus no homem Jesus de Nazaré, que, interpretando o sábado num sentido humanitário mostra a sua “autoridade! Divina: a autoridade do Juiz celestial, do “Filho do Homem”. Jesus, humano assim, só Deus o pode ser. Os homens do mundo, particularmente, os escribas, preferem fixar-se na letra da Lei do que fazer o difícil, que é ser o sábado um dia de súplica da misericórdia.
Caros irmãos,
Jesus ensina-nos a posicionar-nos com verdadeira liberdade diante da Lei de Moisés, ou melhor, diante da Lei de Deus, que nos chegou por Moisés, sem perder nunca de vista o seu objetivo de regular a nossa vida em sociedade e em Igreja, protegendo os mais frágeis e evitando toda e qualquer opressão por parte de quem exerce o poder. Interpretações rigoristas da Lei – como são as dos fariseus no nosso texto – cegam e não deixam ver as necessidades humanas que, na perspectiva de Jesus, são o verdadeiro critério para manter uma atitude livre diante da Lei.
O Evangelho não coloca em causa a celebração do culto no dia de sábado, mas reposiciona-a de modo a que possa coabitar com o serviço dos necessitados, na pessoa dos discípulos com fome e de uma pessoa com uma mão atrofiada. A celebração do Dia do Senhor, ao domingo, pode ser cada vez mais expressão desta dupla faceta do sábado reinterpretado com Jesus que, em dia de sábado entra na sinagoga, lugar onde se realiza o culto, mas não pactua com a necessidade de quem sofre, indo em seu auxílio, dando conforto e, no caso, mesmo a cura. Se o cristão prolonga na existência a vida de Cristo, é importante que no dia maior, a Ele consagrado, não se perca de vista aqueles que foram os seus prediletos.
A regra hermenêutica que Jesus dá para saber o que se pode fazer ou não ao domingo pode ser transposta para outros campos da nossa vida: é importante saber que queremos estar ao serviço do bem e da salvação da vida humana, em linha com o desejo de Deus, tal como se manifesta na vida e mensagem de Jesus; a par disso, sabemos que as instituições, sejam elas religiosas ou civis, devem estar ao serviço da vida humana, para que possam realizar a missão para a qual nasceram.
Prezados irmãos,
A segunda leitura (2Cor 4,6-11) nos fala do apostolado: o tesouro de Deus em vaso de barro. Cristo surgiu como uma luz de Deus para São Paulo e esta luz, ele deve mostrar ao mundo. Mas é um tesouro em vaso de barro – que não deixa de ser bom, pois assim o brilho não pode ser atribuído ao mensageiro. A aparência aniquilada da vida de Paulo, porém, é participação do sofrimento de Cristo, para finalmente, ao desfazer-se totalmente, deixar brilhar a vida do Ressuscitado.
São Paulo descreve seu apostolado como um tesouro em vaso de barro. Deste modo todo mundo pode ver que a força de São Paulo vem de Deus e não do homem. O vaso de barro é a fragilidade e a opressão que caracterizavam a vida do apóstolo. Mas quando o vaso quebra, revela-se seu conteúdo: a vida de Cristo (2Cor 4,11).
São Paulo é um modelo de servidor do Evangelho para todos os que, na Igreja, se posicionam ao serviço humilde do Povo de Deus. Dele aprendemos que a grande característica do apostolado, mais que as ações pastorais inovadoras ou não, é a relação com Cristo, a ponto de trazer na própria vida as marcas dessa união, seja nas tribulações que se sofre por causa de Cristo e do Evangelho, seja porque se incarna na própria vida aquilo que se ensina.
Para se exercer um serviço na Igreja, mais concretamente ao serviço do anúncio e da evangelização, sem excluir nenhum dos outros serviços e ministérios, é necessário pôr de parte todo e qualquer desejo de ser protagonista, para dar protagonismo ao Evangelho, verdadeiro “tesouro” que transportamos “em vasos de barro”, frágeis, da nossa fragilidade humana. Mesmo quando o Senhor fortalece a nossa fragilidade, é importante que seja claro para nós, como era para Paulo, que o verdadeiro tesouro é o Evangelho que não depende de nós, mas de Deus que no-lo deu a conhecer na pessoa de Jesus Cristo.
A vida do evangelizador deve conformar-se cada vez mais à vida de Cristo a ponto de se tornar um espelho de Cristo, um livro aberto do Evangelho, onde se pode ler os sinais da vida oferecida de Jesus. Só uma grande intimidade com Jesus Cristo, como a que teve Paulo, poderá dar-nos a possibilidade de sermos pessoas identificadas com o Evangelho que anunciamos.
Amados irmãos,
A liturgia deste domingo poderia se resumir numa palavra: O dia do Senhor. O Domingo é o dia do Senhor, o dia da comunidade cristã, que recorda a ressurreição de Cristo na celebração da Santíssima Eucaristia. Neste espírito, o domingo serve para aprofundar a caridade e a solidariedade, mesmo em forma de mutirão ou de outros serviços livres e libertadores.
Nós, os cristãos, transferimos o repouso semanal para o novo “dia do Senhor”, o domingo da ressurreição do Senhor, sobrepondo à lembrança da libertação do Egito e a libertação dos laços da morte. O descanso nesse dia não deve ser absolutizado, como algo que existe para si. É um sinal, uma recordação, uma referência. O domingo é o “divino humanismo” de Jesus, como uma instituição para o bem do ser humano. Por isso, a Mãe Igreja permite a manutenção dos serviços essenciais, no domingo. Mas prescreve “abster-se das atividades e negócios que impeçam o culto a ser prestado a Deus, a alegria própria do dia do Senhor e o devido descanso da mente e do corpo”(Catecismo da Igreja Católica).
O domingo preserva o sentido de libertar-se do trabalho-escravidão. E da escravidão do consumismo. Lembre-se de que a primeira missão do dia do Domingo é a participação inteira da Santa Missa e, seguido da comunhão, Eucarística, aproveitar o Dia do Senhor para fazer uma caridade e trabalhar em favor da evangelização.
Prezados irmãos,
As leituras deste domingo não põem em questionamento a celebração do dia do Senhor, mas a reposicionam de modo que esteja em sintonia com o cuidado dos mais necessitados. A observância do dia consagrado ao Senhor, para os discípulos de Jesus, tem esta dupla função: encontrar-se com Deus, para dar graças e louvores por toda a sua obra, e servir os irmãos na pessoa dos mais necessitados.
As três leituras nos ajudam a entender o que significa a observância do dia de sábado e por que Jesus diz que esse dia consagrado foi feito para o ser humano, e não o contrário. Observar o sábado não consiste apenas em obedecer rigidamente às leis e permanecer na quietude e na dedicação à meditação da Palavra, mas também em fazer o bem aos outros e buscar sempre viver no amor de Deus.
Essa compreensão nos lembra de que é preciso reservar tempo para estar com Deus. Apenas ir à Igreja no domingo, celebrar a santa Missa no dia do Senhor, não é suficiente. Além de nos encontrarmos com Deus, de sermos alimentados pela sua Palavra e pela Eucaristia, é necessário dedicar tempo para as obras de caridade. Dessa forma, chegamos a conhecer o amor de Deus mais completamente e a viver como Jesus fez, seguindo seu caminho em direção ao Pai.
O Papa Bento XVI, o Magno, nos brindou com um resumo da liturgia de hoje: a experiência dos mártires de Abitene pode ser paradigmática para nós cristãos do séc. XXI: “Precisamos do pão da vida para enfrentar as fadigas e o cansaço da viagem. O Domingo, Dia do Senhor, é a ocasião propícia para haurir a força d’Ele, que é o Senhor da vida. Por conseguinte, o preceito festivo não é um dever imposto pelo exterior, um peso sobre os nossos ombros. Ao contrário, participar na Celebração dominical, alimentar-se do Pão eucarístico e experimentar a comunhão dos irmãos e irmãs em Cristo é uma necessidade para o cristão, é uma alegria, e assim pode encontrar a energia necessária para o caminho que devemos percorrer todas as semanas. Um caminho, aliás, não arbitrário: a via que Deus nos indica na sua Palavra vai na direção inscrita na própria essência do homem, a Palavra de Deus e a razão caminham juntas. Seguir a Palavra de Deus e caminhar com Cristo significa para o homem realizar-se a si mesmo; perdê-la equivale a perder-se a si próprio”.