Desde sempre a missão está ligada a uma certa maneira de olhar a realidade das pessoas, dos povos e das culturas.
É evidente que a presença e a atividade missionária no meio de um povo deve encontrar sua raiz na pessoa de Jesus, o qual “vê” as pessoas à luz do projeto de Deus, como lembra a voz de um salmista:
“Em ti está a fonte da vida e em tua luz vemos a luz” (Sl 36,10). Os discípulos que acompanham Jesus em sua atividade observam que ele pousa sobre as pessoas o mesmo olhar do Pai: diante de multidões famintas, dos doentes, dos excluídos pela sociedade, manifesta uma sensibilidade profunda, tratando a todos com ternura e compaixão.
Em qualquer circunstância, Jesus evidencia concretamente a atitude fundamental e mais significativa que o seu povo descobriu na experiência do êxodo:
- “Javé, Javé, Deus cheio de ternura e de compaixão...” (Ex 34,6). Por outro lado, “O Pai das misericórdias e Deus de toda consolação” (2Cor 1,3) revela sua suprema ternura, ressuscitando o seu Filho. O que Jesus exprime através de seu olhar não é evidentemente um vago sentimento, mas uma atitude em que engaja todas as suas energias contra a presença do mal. A solidariedade de Jesus com os sofredores assume os traços do “servo” que carrega sobre si enfermidades e doenças (Mt 8,16-17).
Dessa forma, toda atitude, todo gesto de perdão, toda refeição partilhada com os pecadores exprime a solicitude e o carinho de Deus. Por esta razão, Jesus abre novos horizontes, dá novas chances, perdoa e faz viver: suas palavras e seus gestos levam as pessoas ao encontro com a misericórdia do Pai. Para o evangelista, esta solidariedade de Jesus é fundamental porque devolve a cada um a dignidade humana dos filhos de Deus que a miséria, o sofrimento e a desgraça ofuscaram ou apagaram.
Claramente essa dimensão nasce de sua convivência com as pessoas:
- ele vive e mora no meio do povo, partilha com os pobres não só o alimento, mas também as alegrias, o sofrimento e as angústias; fala a mesma linguagem, percorre os mesmos caminhos e sua pregação é compreensível, porque é expressão da experiência de vida de todos, e de todos os dias. No entanto, toda essa oferta de ternura e de compaixão para os pobres e os pecadores provoca murmúrios e revoltas dos seus críticos e adversários. Com efeito, também eles se exprimem através do olhar, mas é um olhar que paralisa, que julga e que condena. Eles não toleram que Jesus valorize a vida humana acima dos preceitos da Lei; não suportam que alguns pagãos sejam indicados como exemplo de fé. De fato, Jesus “enxerga” o coração das pessoas e não se limita a observar a sua pertença cultural e religiosa.
Não é de estranhar, portanto, se no fim de sua atividade, decepcionado pela atitude das autoridades, Jesus prorrompe numa lamentação:
“Jerusalém, Jerusalém..!” (23,37). A cidade e os seus habitantes rejeitaram a visita e a ternura do seu Senhor (Lc 19,41-44).
Não se trata de desespero, nem de vingança: é o desencanto, fruto amargo de um amor ferido!
“Jerusalém, Jerusalém” é o último apelo à conversão:
- ela deixou de ser a cidade santa, “a cidade do grande Rei” ( Mt 5,35), para se tornar uma cidade violenta e assassina (Is 1,21). Está manchada do sangue dos profetas, e está prestes a se manchar do sangue de quem lhe oferece paz e perdão, e que sempre tentou reunir seus habitantes sob as asas da proteção divina (Is 31,5; Sl 17,8; 36,8; 91,4).
Se o projeto de Deus foi rejeitado pela cidade, o próprio Deus abandona a cidade e o templo:
“eis que a vossa casa ficará deserta” (Mt 23,38).
Mas, apesar de tudo, o abandono não será definitivo: “Não me vereis mais até que digais:
Bendito o que vem em nome do Senhor”.
O olhar de Jesus se abre sobre o horizonte de sua vinda gloriosa no fim dos tempos.
Antes, porém, a sua missão “de ternura e de misericórdia” deve passar por Jerusalém:
- lá deve ser reconhecido como “Enviado do Senhor”.
Autor: Sérgio Bradanini
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