É impressionante notar que Jesus, ao longo de toda a sua atividade, fiel à sua missão até o fim, não dá o mínimo espaço às ilusões da multidão e dos seus discípulos. Após a multiplicação dos pães (Mt 14,13-21), ele se distância dos discípulos, apesar de ter acabado de solicitar a colaboração deles para distribuir o pão às multidões, e “forçou-os a embarcar e a aguardá-lo na outra margem até que ele despedisse a multidão” (v. 22).
O comportamento de Jesus surpreende e deixa os discípulos totalmente desnorteados e confusos. Não é por acaso que, mais adiante, mergulhados na névoa de suas turbulências, eles não conseguem reconhecê-lo e o confundem com um fantasma. De fato, a situação dos discípulos é realmente intrigante. Antes da multiplicação dos pães eles queriam despedir a multidão faminta. Agora que ela ficou saciada e satisfeita, não querem se separar dela. Jesus deve intervir com extrema firmeza para mandá-los embora!
A atitude de Jesus é significativa: antes sacia e só depois despede a multidão, porque não quer usar o “dom do pão” para dominá-la, mas para que tenha a força necessária para continuar o seu caminho. Após a despedida dos discípulos e da multidão, Jesus “sobe ao monte para orar, a sós” (v. 23). Mateus deixa bem claro que este é um elemento central e decisivo da missão de Jesus. Se, na tradição bíblica, o monte é o lugar do encontro com Deus, a oração é a dimensão através da qual Jesus estabelece uma relação de comunhão com o Pai. Dessa forma, ele supera a tentação de usar os pães para dominar a multidão (basta lembrar que em Jo 6,15 queria proclamá-lo rei) porque “não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus!” (Mt 4,4). A relação com o Pai não só lhe dá a força de superar as tentações, mas também lhe dá o poder de vencer o mal. A oração é a fonte indispensável e inesgotável de sua missão.
De certa forma, nesta experiência solitária, ele antecipa a profunda solidão de sua morte para voltar, na manhã da Páscoa, como vencedor. De fato, a expressão “a quarta vigília da noite” (das 3 às 6 horas da manhã) indica que, dentro da escuridão mais intensa, se aninha o prenúncio de uma aurora luminosa e é nessa hora que habitualmente Deus intervém para salvar (Ex 14,24; Sl 46,6). Por coincidência, nesse mesmo momento, Jesus, revigorado pelo poder de Deus, “se dirige aos discípulos caminhando sobre o mar” (v. 25), sinal de que o mal e a morte, simbolizados pelo mar agitado, não têm mais poder sobre ele. Mateus quer mostrar que Jesus tem a força de Deus para salvar os seus discípulos dos perigos, arrancando-os do poder do mal que os cerca. A imagem de Deus que caminha sobre as águas (Sl 77,20), que domina e acalma o estrondo dos mares (Sl 65,8) mostrando a sua soberania sobre os fenômenos da natureza, é muito comum na tradição bíblica (Jó 9,8; 38,16; Sir 24,5; Sl 77,17; 89,10; 93,4).
No entanto, o olhar dos discípulos é sombrio e tenebroso por causa do medo. Eles não reconhecem Jesus e o trocam por um fantasma (v. 26), como se fosse uma ilusão. Não conseguem entender que a única presença de Jesus nas dificuldades da vida se manifesta exatamente na “fração do pão”. O dom do pão repartido constitui e alimenta a fraternidade e a oração, como fonte inesgotável de comunhão com Deus, proporciona-lhe a força de vencer o mal. Com efeito, a expressão de Jesus “tende confiança, sou eu, não tenhais medo” (v.27) corresponde à revelação divina (Ex 3,14; Dt 32,29), e, com isso, Mateus quer mostrar que a salvação de Deus, presente na pessoa de Jesus, não é uma ilusão! O dom do pão repartido, que sacia a multidão, nasce da compaixão de Jesus (14,14) e a salvação dos discípulos, amedrontados no barco da Igreja, agitado pelas turbulências da vida, nasce da comunhão de Jesus com o Pai, estabelecida mediante a oração. Não há mais lugar para os fantasmas!
Autor: Sérgio Bradanini
www.pime.org.br
|