Ser missionário
 
Um olhar de solidariedade
 
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Mesmo uma leitura superficial consegue perceber que Mateus insiste em realçar três aspectos inseparáveis: antes de tudo ele enaltece a atividade de Jesus, situando-a no amplo horizonte da história da salvação; em seguida, frisa a necessidade da gratuidade da fé, para poder usufruir os efeitos dessa ação soberana; enfim, quer dirigir uma mensagem à sua Igreja (e ao leitor), fornecendo-lhe as instruções necessárias para cumprir a sua própria missão. Por estes motivos, Mateus coloca sempre a pessoa de Jesus no centro da atenção. Um exemplo muito claro nesse sentido é o episódio da cura da sogra de Pedro (8, 14-17).

Mateus faz desaparecer os personagens mencionados em Mc 1, 29-31 / Lc 4, 38-39, deixando a sós Jesus e a mulher doente, a qual, uma vez curada, coloca-se totalmente a serviço de Jesus e não do grupo como em Marcos e Lucas. Além do mais, é interessante observar que o verbo “servir” (diakonein) exprime o mesmo sentido de “prestar homenagem” a Jesus, vencedor do mal, como fizeram os anjos depois das tentações (4, 11). Como em outras partes do evangelho, o “olhar” de Jesus desempenha uma função importante: desde o começo, Ele toma conhecimento pessoalmente da situação, sem interferências (em Marcos e Lucas, os discípulos informam Jesus a respeito da sogra de Pedro):

“Ao entrar na casa de Pedro, Jesus viu a sogra dele acamada e com febre. Tocou-lhe a mão e a febre a deixou; ela se levantou e pôs-se a servi-lo” (8,14-15). É impressionante notar como Mateus consegue realçar a figura de Jesus com extrema simplicidade e de forma esquemática. De fato, é possível perceber que sua atividade segue um esquema progressivo para evidenciar os elementos-chave da vida humana: aos pés da montanha (8, 1); na cidade de Cafarnaum (8, 5); em casa de Pedro (8, 14). O mesmo pode ser observado a respeito dos personagens destinatários do “poder” do Reino que se manifesta em Jesus: o leproso é rejeitado porque “impuro”; o centurião romano deve ser evitado porque “estrangeiro e pagão”; enfim, a sogra de Pedro incomoda porque “debilitada e doente”.

Todos eles “contaminam” a sociedade, no entanto são eles que gozam da solidariedade de Jesus. É bom lembrar que a “casa de Pedro” é o ponto de referência de toda a atividade de Jesus na Galiléia, desde o começo, quando Jesus decide deixar Nazaré para morar em Cafarnaum (4,13) até a grande e última viagem a Jerusalém (19,1) e, ao mesmo tempo, indica também a “Igreja”. Nesse contexto, Jesus entra logo em ação: o seu “olhar” estabelece um contato direto com a situação de necessidade da mulher doente e o impele a tomar providências.

Trata-se do único caso no evangelho de Mateus em que Jesus intervém sem ter sido solicitado: é uma maneira muito simples de afirmar que esse gesto nasce da sua profunda e absoluta compaixão diante do sofrimento humano (8, 16). Entretanto, Mateus destaca que o “olhar divino” de Jesus consegue enxergar em profundidade a realidade humana. Nesse sentido, o toque de Jesus pode ser considerado como uma lógica conseqüência desse olhar compassivo, que liberta do mal e que dá, portanto, vida nova. Naturalmente, esta vida nova “na casa de Pedro” (Igreja) deve ser vivida pela atitude gratuita do “serviço”.

Não é por acaso que Mateus termina a narração dessas três curas, citando o texto de Is 53, 4 que se refere ao “servo de Javé”, mostrando que Jesus é o “Servo” que “carrega sobre si as nossas enfermidades” (8, 17) e que, nele, se cumprem as Escrituras. De fato, por gestos e palavras, Jesus vence o poder do mal que paralisa a vida da humanidade e da Igreja. Com sua solidariedade total diante de todo sofrimento, Ele revela que a nossa fragilidade humana pode ser um lugar de encontro e de comunhão com Ele.

Autor: Sérgio Bradanini
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