Ser missionário
 
Um olhar de fé
 
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Qualquer leitor do Evangelho de Mateus poderia ficar admirado pela presença de várias narrações de curas de cegos em que, além da recuperação da vista, o evangelista realça a necessidade de um “olhar de fé”. Dessa forma, quem acredita e se põe efetivamente a caminho no seguimento de Jesus, acaba vendo as coisas, os outros e o mundo sob outro ângulo, e experimenta pessoalmente uma transformação profunda: sai da “cegueira” e da escuridão para entrar numa dimensão de intensa luminosidade. Estas narrações são significativas porque evidenciam a atividade messiânica de Jesus, lembrando que uma das atribuições do Messias consiste em abrir os olhos aos cegos.

A tradição bíblica indica, porém, que a raiz dessa função se encontra no próprio Deus que “não vê como o homem vê, porque o homem vê a aparência, mas Javé olha o coração” (1Sm 16,7). Além do mais, é possível reconhecer que, na oração de Israel, esta é uma afirmação fundamental: “Javé olha dos céus e vê todos os filhos de Adão; do lugar de sua morada observa todos os habitantes da terra; é ele quem forma o coração de cada um e discerne todas as suas obras” (Sl 33,13-15; cf 113,6). Mateus retoma a mesma tradição, ao afirmar que Deus vê em segredo (6,4) e conhece profundamente as necessidades humanas.

Trata-se de uma imagem de Deus que, com imensa bondade, dirige seu olhar solícito a toda a humanidade. Não é por acaso que Mateus é o evangelista que mais insiste no cumprimento das Escrituras na pessoa e na atividade de Jesus. Com efeito, ele não só revela a benevolência do Pai pela salvação de todos os povos, mas realiza também a dimensão tipicamente divina de “mostrar/fazer ver”. Toda a tradição bíblica lembra que Javé “mostrou” suas intervenções ao longo da história, principalmente na experiência do êxodo (Dt 3,23; Miq 7,15; Sl 50,23; 91,16), libertando Israel da escravidão do Egito, para introduzi-lo na Terra Prometida, lugar da liberdade.

Nessa perspectiva da passagem da treva/escravidão para a luz/liberdade, Israel reconhece que também a terra é um grande dom, fruto luminoso da solicitude de Javé: “É uma terra de que Javé, teu Deus, cuida. Os olhos de Javé, teu Deus, estão sempre fixos nela, do início ao fim do ano” (Dt 11,12). Em todo caso, luz e trevas, visão ou cegueira estão nas mãos de Deus e não dos homens (Ex 4,11), motivo pelo qual, de acordo com as expectativas messiânicas, a cura definitiva de todo tipo de cegueira só podia acontecer no fim dos tempos, por intervenção divina. Se, na atividade de Jesus, os cegos recuperam a vista, é porque chegou o Reino de Deus, só que é necessária a fé para reconhecê-lo.

De fato, aos cegos que se dirigem a Jesus com confiança, pedindo piedade, ele faz apenas uma exigência: que eles creiam (9,28). Acreditar, segundo Mateus, significa ter “olhos novos” não para ver coisas novas, mas para “ver novas” todas as coisas através dos olhos de Jesus. Por isso os discípulos recebem a ordem de serem luz: “Vós sois a luz do mundo” (5,14), pois, finalmente livres de toda cegueira, podem receber de Jesus o mesmo poder de curar toda enfermidade (10,1). É interessante notar que todas as religiões buscam alguma forma de “iluminação”; no Evangelho, porém, ela não é fruto de exercícios estranhos, mas da profunda atitude de fé que, em Jesus, reconhece o olhar benevolente e misericordioso de Deus em favor da humanidade, que cura e liberta de toda cegueira.

Não pode passar despercebido o fato de que Mateus indique expressamente o ambiente privilegiado onde a luminosidade do Evangelho se manifesta: é a “casa” (9,28), isto é, a “comunidade de irmãos” que realiza a sua missão, fazendo com que a “a luz brilhe diante dos homens, para que, vendo as boas obras, eles glorifiquem o Pai que está nos céus” (5,16).

Autor: Sérgio Bradanini
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