Ser missionário
 
Cantai a Javé um canto novo
 
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Existem momentos absolutamente imprevisíveis que irrompem de súbito na normalidade da vida e, em seguida, desaparecem – deixando atrás de si – como que um desejo de “eternidade”. Essas raras experiências, porém, preenchem o vazio da existência mais corriqueira para revelar a parte melhor de si e do mundo.

Talvez uma experiência semelhante esteja na origem do “canto novo”, fazendo transbordar de intensa alegria o coração do autor do Sl 96. Com efeito, ele convida todos os povos da terra para reconhecerem a soberania de Javé, único e verdadeiro Deus do universo. Mergulhando na tradição profética do Segundo Isaías (depois do exílio), sem esquecer a tradição litúrgica mais antiga (retoma motivos do Sl 29), o salmista contempla e canta:

Javé, na qualidade de supremo rei e juiz, entra triunfalmente no templo e no cosmo como rei do universo. Antes de tudo, ele dirige o convite ao povo de Israel (vv.1-3), pois este já está acostumado a celebrar as intervenções salvíficas de Javé na história. Algo novo deve ter acontecido, pois o povo recebe expressamente o convite para “cantar a Javé um canto novo” e a “proclamar a sua salvação” (v.3), sem limites de espaço (“toda a terra”) e de tempo (“dia após dia”), fazendo conhecer a todos o seu Nome (“bendizei o seu nome”).

O resto não tem importância: “os deuses das nações” diante de Javé são insignificantes e inconsistentes: o salmista os exclui de forma radical. O horizonte luminoso da “salvação – glória – maravilhas” de Deus não admite sombras, e sua dimensão universal se revela e se estabelece plenamente. Significativa é a repetição do termo “todo/tudo” (7 vezes): toda a terra (vv.1.9); todos os povos (v.3); todos os deuses (vv.4.5); tudo o que há nele (v.12); todas as árvores (v.12).

O autor quer realçar a dimensão fundamental da missão de Israel, que consiste em proclamar a soberania universal de Javé, a partir de sua própria experiência histórica. Nisso não há nenhuma atividade missionária específica, nem se trata de “converter” as nações ao judaísmo, mas Israel cumpre a sua missão levando as nações ao encontro com Javé, único Senhor do universo.

O salmista convoca o seu povo a proclamar o Nome de Javé entre as nações a partir de motivos concretos, sem medo de levantar reações polêmicas:

“Javé é grande e digno de louvor, terrível é ele acima de todos os deuses, porque todos os deuses dos povos são apenas ídolos, mas Javé fez os céus” (vv.4-5). Por um lado, ele afirma a soberania de Javé (fez os céus) bem alicerçada em suas bases (majestade e esplendor, poder e beleza: v.6); por outro, desqualifica as divindades dos povos (são apenas ídolos: nunca fizeram nada!). Em seguida, o salmista dirige um segundo convite “às famílias dos povos” (vv. 7-10) para que tragam suas ofertas ao Templo como sinal de “reconhecimento”.

O templo está aberto a todos. Não existem privilégios nem exclusões! No entanto, diante do esplendor da majestade divina, só a atitude de humildade é capaz de reconhecer que efetivamente “Javé reina” (v.10) e dá estabilidade ao mundo e justiça aos seus habitantes. Enfim, a alegria se dilata de tal forma que envolve a criação inteira (vv.11-13). Se antes a “justiça e a fidelidade” denotavam o comportamento de Javé para com o seu povo, agora se alastram, envolvendo as outras nações, até alcançar a totalidade do universo (céu e terra,o mar e seus habitantes, o campo e seus produtos).

A ordem do mundo é o “sinal” da realeza de Javé e o fundamento da salvação. A justiça e a fidelidade de Javé são o ponto de convergência da harmonia universal: o mundo e a história, a fertilidade da terra e a salvação das nações, só podem reconhecê-las em plenitude “cantando um canto novo”.

Autor: Sérgio Bradanini
www.pime.org.br



 
 
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