Ser missionário
 
Uma harmonia universal
 
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O mundo moderno, em sua legítima autonomia, corre o risco de assumir uma perigosa atitude totalitária quando quer ser o único e absoluto intérprete da totalidade da vida, excluindo ou ignorando a dimensão espiritual.

Porém, embora ninguém tenha sérias razões para ignorar a atuação de Deus na história, tem-se a nítida impressão de que poucos reconhecem efetivamente os sinais de sua Presença. Pode ser uma decorrência da nossa época, em que tudo parece complicado.

No passado recente, tudo era mais simples. Mesmo diante das maiores dificuldades, havia sempre algo a dizer: havia uma oração para qualquer circunstância, e toda oração podia transformar-se em canto. O tempo atual, em constante processo de aceleração, paradoxalmente, não tem tempo a perder e não deixa muito espaço para o encontro com Deus, com os outros ou até consigo mesmo. Será que ainda é possível perceber a Presença divina e seguir seus “passos que traçam o caminho” da justiça e da paz também para o nosso tempo? (Sl 85,14).

Se for verdade que a oração é um instrumento privilegiado para demolir os muros da solidão, da fragmentação da vida atual e de seus medos, então o Sl 85 indica um caminho que conduz à harmonia e, ao mesmo tempo, a produz.

Qualquer pessoa, nas mais diversas circunstâncias, pode experimentar a solidão mais profunda, mas nunca na oração! O Sl 85 traça um itinerário em que a comunidade descobre a fonte da própria fé, luta para superar a angústia presente e exprime a sua esperança na ação divina.

O momento histórico do pós-exílio que ela está vivendo é “alegre” pelo retorno à própria pátria, mas é difícil e duro pelas fadigas da reconstrução. O salmo lembra que, ao longo de toda a história (passado, presente e futuro), Deus está presente.

Antes de tudo (vv.2-4), o autor lembra a benevolência de Deus para com seu povo no passado:

Javé interveio perdoando e fazendo voltar o seu povo à sua terra (6 verbos marcam a ação de Deus!). A parte central (vv.5-8) apresenta uma súplica relacionada com a situação presente. A que serve lembrar a libertação passada, se agora Deus não tira o seu povo do apuro em que se encontra? Os repatriados encontraram uma terra devastada e a situação social era um desastre (Is 59,9-10). A grande turbulência já passou, mas continuam abertas muitas feridas.

Por estes motivos, o salmista invoca a intervenção divina (v.5 e 8) para remover as causas da angústia (pecado do povo – cólera de Deus).

As duas perguntas (vv.6-7) dirigidas a Javé, mostram que, apesar de suas faltas, “Jacó” continua sendo “povo de Deus” e, por isso, deposita nele a sua fé e nele encontra o fundamento de sua vida:

“Deus da nossa salvação... dá-nos a tua salvação” (vv.5 e 8). Na parte final (vv.9-14), Deus responde à súplica mediante um oráculo profético renovando a promessa de salvação e anunciando para o futuro um tempo de justiça e de paz.

A expressão “Vou ouvir o que Deus, Javé, disser” é o centro luminoso do salmo:

é a Palavra de Deus que dá sentido aos fatos, é preciso ouvi-la para que o povo “não volte à insensatez” (v.9) e para que saiba que a “salvação” será acessível só para “os que temem a Deus” (v.10). Lealdade e fidelidade, justiça e paz são 4 atributos divinos “personificados” que formam a harmonia do universo, mas exprimem também as mais profundas aspirações humanas.

O centro desse horizonte é ocupado pela dimensão vertical que frisa o relacionamento entre a terra, que deve produzir a fidelidade humana, e o céu, que doa a justiça divina. A visão final do salmo aponta para o dinamismo constante da presença divina: Javé está sempre além de suas intervenções, pois continua caminhando na história, precedido pela justiça, a mensageira que marca o ritmo de seus passos (v.14).

Autor: Sérgio Bradanini
www.pime.org.br



 
 
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