Ser missionário
 
Não escondi a tua justiça
 
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O despertar da religiosidade, no mundo atual, é um fenômeno que pode ser discutido, mas não contestado. Essa irrupção do “sagrado”, que suscita novos movimentos religiosos e novas dimensões de espiritualidade, é um sinal de que existe no mundo contemporâneo a necessidade de redescobrir a dimensão do Espírito. Foram feitas grandes descobertas e conquistas nos campos mais diversificados do saber, mas ainda não se descobriram os “segredos” do coração humano!

Nenhuma ciência, por mais complexa ou sofisticada que seja, consegue ocupar inteiramente “o centro” do ser humano, negando ou até mesmo extirpando dele a dimensão espiritual. A oração é a maior e mais significativa resposta a essa necessidade fundamental. Necessidade de compreender e de se fazer compreender, de falar e de comunicar, de recordar e de cantar, de desabafar e de agradecer, de ter a sensação de poder participar de um projeto maior do que o próprio; necessidade de se encontrar novamente íntegro e perdoado, de encontrar algum motivo que dê sentido à alegria e ao sofrimento presente, de cantar a própria dor e de chorar por isso, enfim, necessidade de partilhar, de viver, de esperar.

Tudo isso, e muito mais, está formulado de maneira esplêndida no Sl 40, sobretudo nos vv. 7-12, onde o autor evidência o conteúdo e o “sabor” de sua existência e de sua missão pessoal. Ele deixa transparecer a presença necessária de duas atitudes fundamentais: em primeiro lugar, a disponibilidade radical para cumprir a vontade divina expressa na Torah; e em segundo lugar, a missão de proclamar a plenitude das ações salvíficas de Javé. Para indicar a ‘plenitude’ da presença divina na história, o salmista usa sete substantivos (direito/justiça – justiça – fidelidade – salvação – benevolência – verdade – misericórdia/compaixão).

É preciso notar, porém, que só o primeiro “direito/justiça”, não tem o pronome possessivo “teu/tua”, porque se refere ao projeto de Deus em sentido universal. Nesse contexto, o autor deixa bem claro que, nas relações com Deus, o que importa não é o sacrifício ou a oferta como tal, mas a atitude de quem oferece. Deus não está interessado nos dons, está interessado no doador. Portanto, a atitude humana diante da soberania divina, não se expressa principalmente nos ou pelos dons e oferendas (não quiseste sacrifícios e ofertas – não pediste holocausto nem expiação) mas na e pela docilidade e assimilação da Palavra da Torah/Lei (abriste meu ouvido – eis que vim).

Sacrifício e oferta, holocausto e expiação não são e nem devem ser eliminados, mas relativizados, porque acima de tudo está o direito/justiça nas relações humanas. Com efeito, fazer a vontade de Deus significa escutar intensamente a sua Palavra, a ponto de assimilá-la e integrá-la na própria vida (dentro das minhas entranhas; cfr Ez 3,3). Se, em seguida, a missão consiste em proclamar a salvação de Javé, o conteúdo deve ser previamente conhecido e assimilado. Só assim a proclamação não se identifica pura e simplesmente com um sistema de informações, mas se torna testemunho da experiência pessoal.

A missão não se realiza repetindo coisas sabidas, mas testemunhando algo vivido, cujo significado ultrapassa as fronteiras pessoais para alcançar povos e nações. Passar pelo sofrimento pessoal, realçado por três negações (não fechei – não escondi – não ocultei), assimilar profundamente a Palavra para ser “mensageiro” de Javé, é uma missão que está acima de todos os sacrifícios/ofertas do templo. A docilidade radical na escuta e no cumprimento da Palavra, sob o impulso da iniciativa divina que abre o ouvido e põe na boca um canto novo, leva a proclamar a todas as nações que “Grande é o Senhor” (v.17). É experiência e caminho no Espírito.

Autor: Sérgio Bradanini
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