Uma das dimensões essenciais da missão consiste em não perder de vista a oração como canal aberto para a transcendência. Sem essa dimensão, a vida ficaria destituída de sentido. Em sentido global, a oração é um ato de fé em Deus e na história, aliás, é fé em Deus como Senhor da história, justo e misericordioso. Nada é mais lastimável do que não saber rezar: sem essa abertura ao transcendente, o ser humano perderia uma dimensão essencial.
A expressão: “Desconfiem dos milagres, rezem os salmos” não é nenhum novo slogan publicitário, mas foi um motivo concreto que permitiu a Elie Wiesel, sobrevivente de um campo de concentração da Segunda Guerra Mundial, superar aquele terrível e tenebroso momento da história. Segundo ele, existem várias ocupações e situações que permitem viver, mas a oração é a única que permite esperar. Tudo isso vale também para a época atual, em que, para muitos, não há mais nenhum motivo para invocar a Deus, bem sabendo que não existe nenhuma razão para fugir dele.
Nesse contexto, o Sl 27,1-6 (os vv.7-14 não são levados em consideração porque tratam de outro assunto) é um exemplo magnífico que oferece uma preciosa indicação para reconhecer a soberania de Deus no horizonte de quem leva uma vida cheia de ameaças, de contradições e de paradoxos. O elemento central é uma inabalável confiança em Javé. De um lado, há expressões de uma profunda e sólida confiança em Deus, que revelam a coragem e a serenidade necessárias para enfrentar perigos e dificuldades.
Do outro lado da fonte que origina essas expressões, está a dura experiência da vida com suas perplexidades, ameaças e medos. É impressionante o realismo com que são enfrentadas as dificuldades da vida: há confiança em Deus, mas não há nenhuma renúncia ou covardia que leva a desistir da luta franca e corajosa contra as forças do mal. “Ainda que um exército acampe contra mim, meu coração não temerá” (v.3).
É bom notar também que o autor não expressa nenhum pedido de ajuda, mas também não amaldiçoa as circunstâncias que perturbam e tornam a vida mais amarga. Não percorre o caminho do “fideísmo” que espera tudo de Deus, desprezando o mundo, nem o caminho do “fatalismo”, que desconfia de Deus, entregando-se passivamente ao destino do mundo. Nada disso. A existência humana é considerada como uma luta constante contra as tenebrosas forças do mal.
Nesse âmbito, Deus é a referência fundamental: como LUZ que ilumina o caminho da vida, afastando a “treva” que não deixa ter uma visão clara da realidade; como SALVAÇÃO que oferece uma comunhão de vida significativa diante do perigo de perder não somente o rumo, mas também o sentido da vida; como FORTALEZA que dá segurança e força para resistir e vencer os ataques do mal, defendendo a vida das agressões dos “inimigos” que ameaçam destruí-la.
É lá onde se trava essa dura batalha que surge a coragem de crer e de confiar em Deus, não no sentido de que Ele resolva todos os problemas, mas porque Ele dá a força para enfrentá-los. É interessante notar que a coragem da fé não visa, acima de tudo, vencer os inimigos, mas vencer o medo! Este é o grande inimigo que se instala no coração humano e é impossível eliminá-lo por completo. Por isso, não há pedidos nem lástimas, mas somente um único desejo: “Habitar na casa de Javé”, morada permanente, onde seja finalmente possível “gozar da doçura” de sua proximidade.
O ponto mais alto é alcançado quando a confiança vence o medo e as ameaças desaparecem para deixar o lugar ao gozo e ao canto! Sem fugas nem lamentações, quando a vida é assumida com coragem e destemor, ela se abre para reconhecer e louvar o Senhor da história. Sendo fiel na terra, a oração, cheia de confiança, mantém aberto o caminho do céu.
Autor: Sérgio Bradanini
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