Ao iniciarmos uma nova etapa em nossas reflexões, seguimos as sugestões da leitura sapiencial que, apesar de ainda ficar na sombra, merece um lugar ao sol. É importante frisar que, dentro do horizonte amplo e universal da missão, a dimensão sapiencial não só é um ponto importante de referência, mas é fonte, critério e chave de interpretação da existência humana. Poder mergulhar na imensa corrente espiritual que perpassa a história do povo de Deus e de muitos outros povos, abre um caminho importante para superar o espetáculo sombrio do mundo atual.
Com efeito, hoje, muitas pessoas, sem saber por que, acabam sendo envolvidas pela onda da violência, da guerra e de todo tipo de negatividade. Por isso, antes de buscar soluções ou justificativas que expliquem a origem ou a dilatação do mal, é necessário buscar uma saída. A leitura sapiencial pode ajudar a superar aquela sensação de impotência radical, diante de acontecimentos e decisões humanas, que, contrariando desejos e expectativas comuns, pretendem determinar o destino do mundo e da história.
Além do mais, trata-se de uma dimensão essencial para quem é chamado a ser um sinal daquela salvação de Deus que tem seu centro em Jesus de Nazaré e se dilata até envolver o mundo das nações. Se, de certa forma, os detentores do poder, em sua arrogância e prepotência, se autodenominam “salvadores” do mundo e reivindicam o direito inexistente de invadir, de ocupar e de oprimir, nós, ao contrário, precisamos percorrer um caminho diferente.
É o caminho sempre aberto da invocação: “Javé, faze-me conhecer os teus caminhos, ensina-me as tuas veredas. Faze-me caminhar na tua fidelidade, ensina-me, pois tu és o Deus da minha salvação. Em ti espero todo dia” (Sl 25,4-5). O ponto de partida do Sl 25 é a percepção de certa confusão provocada pelas dificuldades da vida (inimigos: vv.2.19), pelas fragilidades e culpas humanas (vv.7.11.18), pelas preocupações e misérias (v.18), perplexidades e medos (v.2).
O autor deixa a impressão de que Deus está ausente da sua vida, e de estar totalmente inseguro, por isso resolve sair do silêncio de sua solidão para manifestar a presença “salvadora” de Deus, não só na vida pessoal, mas na história de todos. Sem cair nem nos excessos da euforia e da exaltação nem do desespero e do pessimismo radical, ele sabe conservar uma atitude de serenidade para expressar com muito equilíbrio a bondade e a fidelidade divina em relação com a fragilidade e a miséria humana.
Após uma breve introdução (vv.1-3) em que apresenta o fundamento e a solidez da sua esperança, o autor, numa primeira etapa, pede para ser guiado pelo caminho da fidelidade divina que é bondade, compaixão e perdão (vv.4-7); na parte central (vv.8-14), reflete sobre a importância do “caminho” de Deus e dos benefícios para quem permanece fiel à sua Aliança; na parte final (vv.15-20), retomando sob outra forma os motivos iniciais, dirige a Deus uma nova súplica para que o liberte das angústias que o oprimem; segue uma conclusão pessoal (v.21) e uma coletiva (v.22).
A dimensão sapiencial aparece claramente no termo “caminho” (8 vezes) e na apresentação de Javé sob os traços de “Mestre” supremo (há 3 verbos de ensinamento que ocorrem 7 vezes: é significativo que o sujeito dos 7 seja Javé!). O ponto de referência é o contexto da Aliança (vv.10.14) que exige uma relação de lealdade recíproca, mas o seu fundamento é a iniciativa gratuita de Javé a partir da constatação:
“Todas as veredas de Javé são lealdade e fidelidade” (v.10). Ora, quem no meio de muita perplexidade resolve percorrer este caminho, descobre que é sempre possível superar a dor e a miséria: nada está determinado de uma vez por todas; a esperança é uma realidade sempre aberta.
Autor: Sérgio Bradanini
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