Hoje é muito comum encontrar quem defina o mundo contemporâneo como "cultura do efêmero", do instantâneo, do provisório, denunciando a carência de pontos de referência que apontam para algo definitivo. É possível ver ou participar de 'momentos' considerados importantes que, imediatamente, desaparecem no nada e atrás de si deixam somente uma sensação de fracasso, de solidão e de vazio. Inclusive, o tal pensamento único globalizado reivindica para si, como característica principal, o espírito de tolerância.
No entanto, na realidade, o que marca profundamente a nossa época é uma atitude generalizada de indiferença que, por sua vez, se transforma em fonte inesgotável de conflitos. Sem contar que, qualquer que seja o assunto - religioso, político, econômico ou social - entra em ação um mecanismo que reduz tudo à insignificância. Com efeito, a expressão: "É tudo a mesma coisa", é a que mais se ouve.
Ora, a proclamação de que "Tudo é a mesma coisa" não só pode levar ao relativismo mais radical, mas também esvazia totalmente a existência humana de seus significados, reduzindo-os praticamente ao nada! Será que "o nada" é o único valor para tudo e para todos? Será que a expressão, também hoje muito comum, de que "nada é relevante e tudo é equivalente" deve ser considerada como um dos axiomas principais do nosso tempo? Será que não existe "algo" ou "alguém" para o qual vale a pena lutar e viver?
Uma expressão muito significativa na parte final dos "discursos de despedida" do evangelho de João pode fornecer uma ajuda valiosa para compreender melhor as contradições e as ambigüidades da história. É o momento em que Jesus conversa intimamente com seus discípulos, dando-lhes as orientações necessárias, antes de enfrentar o difícil caminho da paixão e da Cruz. "Eu vos disse estas coisas para terdes paz em mim. No mundo haveis de ter tribulações, mas tende confiança, eu venci o mundo" (Jo 16, 33).
O evangelista se revela profundo conhecedor do drama da situação dos discípulos no mundo, por isso deixa bem claro que eles só podem encontrar a paz "em Jesus" e não no mundo. Este só pode oferecer-lhes aflição e tribulações. A paz "em Jesus" não consiste em manter-se afastados da cruz ou dos conflitos e das aflições do mundo, mas consiste em compreender que a Cruz não se identifica simplesmente com a derrota e que as tribulações podem ser uma ocasião muito preciosa para fundamentar a própria esperança.
A partir disso, torna-se necessária uma releitura da história para não cair nem no desespero nem no absurdo. De acordo com São João e com os outros evangelhos, a história tem seu ponto central na morte-ressurreição de Jesus. É este momento central que constitui a chave de interpretação. Por isso, a promessa e a fidelidade de Jesus, através de sua morte-ressurreição, revelam-se inabaláveis e vitoriosas sobre todas as forças ambíguas e negativas do mundo.
Nisso está também o fundamento da paz dos discípulos. Por lógica conseqüência, a paz e a confiança (note-se o imperativo: tende confiança!) nascem da gratuidade e do amor de Deus, realidade acessível aos discípulos unicamente mediante a fé. Com efeito, a fé e a relação de reciprocidade dos discípulos (15,12) conseguem perceber que o amor, aparentemente derrotado, na realidade, é vencedor:
"Eu venci o mundo". Com um realismo impressionante, o evangelista apresenta o mundo e a história como "lugar" onde se experimentam aflições, provas, tribulações e sofrimentos. Todas essas situações são manifestações de um mundo sujeito a convulsões (as dores do parto: 16, 20-21), mas ao mesmo tempo são sinais de que está chegando um mundo novo e definitivo, feito de paz, de amor, de alegria, de liberdade.
Autor: Sérgio Bradanini
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