Um aspecto importante que a visão de conjunto de Atos 17,16-34 revela é que Atenas é um ambiente muito aberto ao pensamento e às idéias. Várias correntes filosóficas desenvolvem-se e prosperam como expressão de uma nobre civilização da inteligência que não pode ser menosprezada. Não só na época da pregação de Paulo, mas desde tempos mais antigos, existe aqui a presença de uma cultura que busca e ama a ordem, a beleza e a harmonia.
Nesse contexto, certamente não é um detalhe de uma “nova doutrina” (a ressurreição: vv. 18-19), que provoca a desconfiança dos sábios de Atenas. Eles, antes disso, já tiveram conhecimento de muitas outras teorias e doutrinas!
O que impressiona é o fato de que Paulo, anunciando “Jesus e a ressurreição” (v.18), atinge em cheio o poder ideológico exercido de forma autoritária pelos sábios. Não é por acaso que Paulo é acusado de ser um “catador de sementes”, isto é, um agente de propaganda que espalha lixo intelectual sem sentido.
O texto deixa claro que eles desejam ouvir a pregação de Paulo, mas são impelidos por pura curiosidade, não pela busca da verdade! Paulo dialogava (v. 17); os filósofos o abordavam (v.18). São duas atitudes opostas: a primeira indica disponibilidade para o encontro; a segunda, auto-suficiência e indisponibilidade. Para os sábios, Paulo só poderia trazer-lhes um conhecimento suplementar, possível matéria de discussão, mas nada mais.
O sistema intelectual e ideológico de Atenas mostra-se impermeável e indisponível diante de uma Palavra que coloca tudo em questão. Nesse aspecto, Lucas deixa transparecer que, por trás da busca de novidades (v.21), existe de fato um sistema intelectual padronizado, em que nenhuma outra novidade, nem a do Evangelho, tem chance de entrar.
Ele assinala três elementos que exprimem o controle autoritário do pensamento: a uniformidade das pessoas: atenienses e estrangeiros residentes, todos estão na mesma situação; a uniformidade de tempo: todos ocupavam o tempo...; a uniformidade de conteúdo: contar e ouvir as últimas novidades! Tudo isso mostra que não só a multiplicação das “imagens” pode ocultar a realidade, mas também o excesso de palavras pode ocultar, esconder ou rejeitar o anúncio daquela Palavra absolutamente nova, que é capaz de dar sentido à existência humana.
A ambição pluralista, mas totalitária deste ambiente cultural grego (clara matriz da imposição do “pensamento único” que marca o processo de globalização do nosso tempo), não leva Paulo a renunciar à sua missão de testemunha do Evangelho.
Aliás, esse novo desafio leva o apóstolo a inventar uma nova forma de anúncio: a mensagem da ressurreição que se manifesta na história, na fragilidade humana de Jesus (morto na cruz), mostra “a todos e em toda parte” (v.30), que uma mudança de perspectivas é possível. A “ressurreição dos mortos” não só dá a todo ser humano a possibilidade de receber a novidade absoluta de uma comunhão de vida com Deus, mas também dá um novo sentido à história humana. Sob esse ponto de vista, é superada a ambição universalista e totalitária de todo sistema ideológico auto-suficiente que dificulta as relações humanas, minimizando sua importância e seu significado concreto.
O anúncio evangélico é eficaz, quando oferece a toda experiência humana autêntica um sentido que leva ao reconhecimento da alteridade absoluta (Deus desconhecido) e da alteridade que não está incluída nem no sistema de pensamento grego, nem em qualquer outra cultura: a morte-ressurreição de Jesus está no centro da história como oferta permanente de salvação para toda a humanidade.
Autor: Sergio Bradanini
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