Servo sofredor |
Por: DOM EURICO DOS SANTOS VELOSO
ARCEBISPO EMÉRITO DE JUIZ DE FORA, MG. |
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Chegamos em mais uma Semana Santa. Com ela lembramos os judeus que cantavam hosanas ao Filho de David. Bendito o que vem e m Nome do Senhor. Hosana ao Filho de David. Sentimo-nos desconcertados numa sociedade competitiva, que privilegia a posse, prazer e poder, gerando violência e alienando as pessoas. O que é capaz de satisfazer os anseios mais profundos de libertação e vida plena? Como realizar o projeto de Deus? O que significa ser cristão hoje?
A primeira leitura do Domingo de Ramos no apresenta a missão do Servo Sofredor plenamente moldável nas mãos de Javé e suficientemente coerente na execução de sua missão, passando por cima do que é capaz de mexer com os brios de qualquer pessoa: ofensas, violência, perda da honradez.
Lendo a Paixão de Jesus segundo Lucas, percebe-se que a fidelidade e a determinação do Servo Sofredor encontraram plena realização em Jesus, a testemunha fiel. Sua humilhação até a morte na cruz foi motivo de escândalo para as pessoas de seu tempo.
Passamos muito rapidamente da celebração da entrada triunfal de Jesus em Jerusalém para a leitura da Paixão. Tudo na mesma celebração. Ouvimos o povo aclamar Jesus à sua entrada em Jerusalém e, pouco depois, o mesmo povo gritar em frente a Pilatos, exigindo a sua condenação à crucifixão.
Hoje podemos nos encontrar representados neste povo. Já concluímos a Quaresma. Esses quarenta dias nos ajudaram, certamente, a nos conhecermos um pouco melhor. Sabemos das nossas incoerências, de nossas infidelidades e de nossas fraquezas. Ao considerarmos nossa vida, lembramos que houve momentos em que nos deixamos levar pelo entusiasmo. Foram momentos em que nos identificamos com Pedro e, como ele, dissemos a Jesus que o seguiríamos até onde fosse preciso e que estaríamos sempre ao seu lado. Da mesma maneira como o povo de Jerusalém à entrada de Jesus montado num burrico, nós o aclamamos como nosso Senhor e Salvador.
Mas, também, recordamos os vários momentos em que nos comportamos tal como o povo de Jerusalém diante de Pilatos. Ou como Pedro nos momentos de dificuldade. Negamos e abandonamos os seus caminhos e colocamos o coração, a vida e a esperança em outros senhores que nos conduziram sem que pudéssemos evitar a escravidão e a morte. Da mesma maneira como o povo de Jerusalém, no momento da Paixão, gritamos: ”Crucifiquem-no”. E, como Pedro, preferimos dizer que não o conhecemos; que nós de nada sabemos e que jamais estivemos juntos a esse senhor que chamam de Jesus.
Nossa vida se vai tecendo com essas inconstâncias e incoerências. Mas, ante tudo isso, encontramos a constância e a coerência de Jesus, o Filho de Deus, o enviado do Pai, empenhado em nos mostrar seu amor até o final, em oferecer sua vida completamente por nós. Deus é obstinado em seu amor. Não se demove nem um centímetro e, ainda que digamos que não o conhecemos, continua nos admitindo como filhos e irmãos, como membros queridos de sua família. Aí está a chave da celebração da Semana Santa. Recordamos o amor de Deus mais forte que o nosso próprio pecado. O ponto chave para o entendermos está no olhar que Jesus lança a Pedro quando este o nega pela terceira vez. Foi um olhar cheio de carinho. Conhecia-o bem em sua fraqueza. Mas nem por isso o amava menos. Hoje esse olhar chega a cada um de nós. Ele nos conhece bem por dentro e por fora. Jesus nos olha com carinho e amor pleno.
Na semana da Paixão, que estamos acabando, assistimos, atônitos a episódios que envergonham o Brasil. Como pode um ex-Presidente da República usar de ardilosas manobras executivas para obstruir a Justiça ainda mais em conversas com a própria Presidente da República que deve ser a primeira a guardar pela isonomia e pela separação dos poderes constituídos da República? Como podemos assistir que pessoas queiram, por mais méritos que tenha, que o ex-Presidente Lula não responda, como todos os cidadãos comuns, por convocações da Justiça. Será que o ex-Presidente se esqueceu de que os homens públicos devem dar satisfação de seus atos? Diante de tanta impunidade, diante de achaques a representantes do Ministério Público e mesmo a Magistrados, em todas as suas esferas, nos perguntamos: porque tanto medo da Justiça? Porque não comparecer às intimações judiciais? Porque usar de chicanas jurídicas para procrastinar o andamento da justiça e a busca da verdade plena? Não há Semana Santa sem se rebaixar no confessionário e dizer todos os seus pecados, com sincera e reta vontade de emenda e de mudança de vida, para viver uma Páscoa verdadeiramente nova, de graça santificante.
Hoje entramos na Semana Santa. Já não é mais tempo de olharmos para nós mesmos e para nossas faltas, mas de contemplar o amor de Deus, manifestado em Jesus.
Que saibamos compreender que o relato da Paixão é uma história de amor que deve chegar ao nosso coração, para que possamos entender o que Deus espera de nós e estejamos prontos para cumprir a sua vontade.
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