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Servir é uma Graça que devemos pedir a Deus
Por: DOM EURICO DOS SANTOS VELOSO
ARCEBISPO EMÉRITO DE JUIZ DE FORA, MG.
 
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Caríssimos irmãos e irmãs, sinto-me muitíssimo feliz e gratificado ao celebrar os meus cinqüenta anos de vida sacerdotal, como Ministro de Jesus Cristo, tendo, por coincidência a leitura  bíblica do Evangelho de Marcos, no capítulo  9, 30-37.Por  que ?                                    

Desde os meus tempos de Seminário Menor aprendi que o PADRE é alguém que foi escolhido para seguir e imitar a Jesus Cristo, o SERVIDOR do Pai. Por isso, prendo a minha reflexão no recado de hoje para todos nós e para mim, especificamente, que procurei levar a sério esta  advertência de Jesus, e agora, na celebração do Jubileu de Ouro de Ordenação  Presbiteral, com mais conhecimento e consciência da proposta de Jesus e vivenciada no meu sacerdócio ministerial, posso renová-la.

O testemunho de vida de Jesus, baseado na humildade e no espírito de serviço, não foi suficiente para conscientizar os discípulos a respeito do modo de proceder que lhes estava sendo proposto. Nem mesmo a alusão à sua morte violenta e à sua ressurreição bastou para abrir-lhes os olhos. Entre eles permanecia um espírito mesquinho de competição. Sua preocupação era saber qual deles seria o maior.

Jesus enunciou, com clareza, uma norma de conduta válida para regular as relações entre eles: quem quisesse ser considerado o primeiro e mais importante de todos, deveria ser capaz de se colocar no último lugar e assumir a condição de servo dos demais. O colocar-se em último lugar deveria resultar de um ato livre, sem nenhum complexo de inferioridade. O fazer-se servidor seria conseqüência da superação do próprio egoísmo, não uma atitude resignada de quem não sabe fazer valer seus direitos. Quebra-se, assim, o ciclo da ambição e fica banida do seio da comunidade a tentação da tirania.

O Reino, portanto, tem uma escala de valores que não corresponde àquela do mundo, de ontem e de hoje, mundo este que  nos estimula a toda hora a ser  o primeiro, a ser o maior, a ser grande, a ter mais, a “mandar” mais, e, às vezes, menosprezando os pequenos, ou àqueles  que nos são subalternos. Os apóstolos não tinham ainda entendido a proposta desafiante de Jesus. E nós, depois de mais de 20 séculos? Jesus “virou  e continua virando a mesa,”nos propondo uma condição exigente para sermos seus discípulos: servir, sendo o último. Com a simplicidade de uma criança.

No tempo de Jesus a criança era rejeitada e não tinha voz. Representa também no  Evangelho os marginalizados e sem poder. A criança é indefesa e dependente como todos os pobres. Os discípulos de Jesus devem ser pequenos como as crianças. Ela espera tudo dos pais. Sente-se limitada, incapaz de subsistir por sua própria conta. Confia cegamente nele (nos pais), e se sente amada por eles. É cheia de defeitos,mas sabe que os pais sempre a compreendem e as perdoam. Conta  mais com a fidelidade dos pais do que com a própria. Não tem pretensões. O problema de ser importante ou não, de ser o primeiro ou o último, não lhe interessa. O que conta é a sua relação filial. A atitude da criança é sempre de receber, de aprender dos outros e do mundo. É capaz de admirar, de espantar. Apresenta-se e age como é: autêntica, simples e sem duplicidade. Ainda não tem ambições, é livre da riqueza e do poder. Sua liberdade  radical torna-a transparente e livra-a dos medos do prestígio e da diplomacia. Dizem  verdades que outros não ousam dizer. Transfiramos essa atitude para nossa relação com Deus e com o  mundo e compreenderemos as misteriosas palavras de Jesus:” Aquele que não receber o Reino de Deus como uma criança, não entrará nele”

A orientação de Jesus exigiu dos discípulos de Jesus uma reformulação de seus esquemas mentais, hoje também exige a mesma atitude  de cada um  de nós. Como não dava no seu tempo, nos dias de hoje também não dá para aplicar ao Reino a visão mundana, secularista, consumista, anti-cristã, com que, pouco a pouco, vamos nos contaminando.

Para Jesus ser grande é ser  servo de todos. Ser cristão é servir. Seguir  o caminho de Jesus é seguir o caminho do serviço. Jesus insistiu que a autoridade de seu Reino é serviço: ” Se alguém quiser ser o primeiro, seja o último e aquele que serve a todos”Aquele que receber uma destas crianças por causa de meu nome, a mim recebe” (Mc.9,29-36) Quanto mais nos dispomos a servir fraternalmente, tanto mais realizaremos como ser humano, como cristão. A Igreja - Servidora é uma Igreja cujos membros prestam serviço uns aos outros, comunitariamente, sempre em vista do crescimento da fé, na esperança e na caridade. Somos todos chamados a servir. O Senhor não deixou de ensinar a seus discípulos a que este serviço requer uma atitude humilde e simples de criança. Quem quiser servir deve infileirar-se ao lado dos pequeninos com os quais o próprio Jesus quis  identificar-se.

Servir é uma Graça que devemos pedir a Deus.  Servir não com autoritarismo, querendo impor o nosso modo de ser e de agir no outro, exercendo sobre ele uma influência dominadora. Para libertar os outros e para ajudá-los a serem eles mesmos, sujeitos da história pessoal e comunitária, é preciso modéstia e simplicidade. Não é o orgulhoso ou o ambicioso  mas  o simples e o humilde que consegue, despertar a força do amor que  dorme no coração das pessoas.

Jesus  não nega o desejo existente no coração humano de ser grande, de ser o primeiro. Contudo, dá a chave para consegui-lo. Imitá-lo. Trata-se de imitar e seguir o Filho do Homem no seu mistério pascal. Para ser o primeiro devemos ser o último,aquele que serve a todos. E para servir a todos é preciso morrer a si mesmo, aos  primeiros interesses, aos critérios de poder e de grandeza humanos.

Servir a todos é acolher a uma criança pelo valor que nela existe; é empregar tempo e serviço  no serviço àqueles e àquelas que semelhante a uma criança no tempo de Crist, e hoje, não têm importância, não podem dar recompensa, não têm meios de compensar as nossas ações feitas.

Quem captou realmente este ensinamento de Jesus, começa a ver  as coisas de modo diferente Não mais na visão meramente humana. Em vez de pensar em si mesmo, começa a ver a necessidade do próximo. Começa a colocar-se ao lado dos injustiçados. Começa a sair de si mesmo para colocar-se em atitude de solidariedade, de compaixão, de partilha. Quem optou pela simplicidade, não terá medo ou receio de ser incompreendido e até perseguido, a exemplo de Jesus Cristo (1ª let. Sb.2,12). Pois vale a pena buscar a paz pela promoção da justiça, buscando também  a sabedoria do alto que é pura, pacífica, indulgente, conciliadora,cheia de misericórdia e de bons frutos, isenta de parcialidade e de hipocrisia.(2ª let. Tg. 3,16-41)

Caríssimos irmãos e irmãs, para que a compreensão do mistério pascal de Cristo de transforme em vida é preciso que espelhemos sempre  de novo o nosso modo de ser e de agir em Jesus Cristo.

Que todos vocês me ajudem a pedir a Deus a Graça de viver como último no Reino, transformando agora a Graça de servir em motivo de ação de Graças, celebrando os Cinqüenta anos de minha Ordenação Sacerdotal. Que o Senhor Jesus continue tirando de meu coração todo ideal humano de grandeza, fazendo-me compreender, cada vez mais, que ela consiste simplesmente em continuar fazendo-me SERVIDOR.

HOMILIA     JUBILEU   ÁUREO
22-23-24-25/09/2012

 
 
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