A vocação do cristão – a evangelização |
Por: DOM EURICO DOS SANTOS VELOSO
ARCEBISPO EMÉRITO DE JUIZ DE FORA, MG. |
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O homem de fé, ao refletir sobre a realidade do mundo de hoje, quando contamos, no ciclo do tempo, os primórdios do terceiro milênio da realização das promessas de Deus, na revelação de Cristo, tem o mesmo sentimento de Jesus ao ver as multidões que o seguiam: ”E vendo aquelas multidões, compadeceu-se delas, porque estavam fatigadas e como ovelhas sem pastor.” (Cf. Mt. 9, 36).
No pequeno tempo de nossa existência, contemplamos total transformação do mundo. Em pouco mais de meio século, a Terra que comportava, na primeira metade do século passado, dois bilhões de habitantes, comemorou, recentemente, o nascimento do sex-bilionésimo homem. No Brasil, de cinqüenta milhões de habitantes, hoje temos esse número triplicado.
Mudanças radicais. População urbana sem identidade, decorrente da imigração em massa. Globalização com a perda das identidades culturais. Massificação. Prosperidade decorrente do saber tecnológico, já previsto por Adam Smith, que não previra, no entanto, a sua oligopolização, quando quatro quintos da humanidade sequer têm as migalhas que sobram das mesas dos abastados um quinto da população. Mas, sobretudo, a velocidade. O fim da era mecânica substituída pela eletrônica, transmitida pela velocidade da luz.
Sem tempo para pensar, massacrada pela informação e pela mídia consumista, com o estímulo do “ter” sobre o “ser”, as multidões estão cansadas e são como ovelhas sem pastor.
Diante deste quadro, depois de 2000 anos de cristianismo, podemos nos perguntar, como na Exortação de Paulo VI sobre a Evangelização: “O que é feito em nossos dias daquela energia escondida da Boa Nova, suscetível de impressionar profundamente a consciência dos homens? Até que ponto e como esta força evangélica está em condições de transformar verdadeiramente os homens deste século”
Defrontamos-nos com o problema central da Evangelização: “encontrar uma síntese entre a fidelidade à insubstituível e única verdade da Revelação e o problema da sua transmissão, a fim de obter sua eficácia de conversão e a transformação do homem no mundo de hoje”
É um desafio. As palavras de Jesus, no momento de sua ascensão, conferem-nos uma universalidade sem fronteiras, sejam físicas, sejam ideológicas: “Ide pelo mundo inteiro e proclamai o Evangelho a toda a criatura” (Cf. Mc.16,15).
Ao longo desses 20 séculos que se passaram, as gerações cristãs tiveram de enfrentar toda a sorte de obstáculos e legaram-nos a luz da fé. Não a podemos abandonar, não podemos deixá-la se perder. “Vós sois a luz do mundo... Assim deve brilhar vossa luz diante dos outros para que vendo as vossas boas obras glorifiquem o Pai que está nos céus”(Cf. Mt.5,14-17).
Evangelizar é levar a Boa Nova a todos, transformando-os a partir de dentro. É o anuncio do Reino de Deus, reino paradoxal de felicidade diferente do que quer o mundo; dos seus mistérios escondidos nas bem-aventuranças, no mandamento do amor, da fidelidade que se exige daqueles que esperam seu advento.
Evangelizar não é impor. É a pregação alegre da salvação realizada em Cristo e que tem de nascer de dentro de nós como terra boa na qual a semente dá cem por um. O conteúdo deste anúncio é o amor de Deus. Esse Deus desconhecido que nos permite chamá-lo de Pai. É anunciar a esperança da libertação que se inicia agora e se consumará na plenitude da eternidade, porque na comunhão do amor, na interpelação recíproca e constante entre o Evangelho e a vivência concreta, sob a ação do Espírito Santo.
Discípulos e missionários é a mensagem da Igreja latino-americana. No seu documento final, chama a atenção dos leigos e da sua força na renovação do mundo, pelo seu testemunho e pela sua atuação no seu campo de trabalho. Sempre nos questionamos, onde está a voz a Igreja, referindo-nos à hierarquia, diante dos descalabros atuais. A voz da Igreja se faz, sobretudo, pela atuação dos discípulos e missionários vocacionados pelo batismo.
A tarefa missionária dos leigos não é primordialmente a instituição e desenvolvimento da comunidade eclesial, os ministérios, importante sem dúvida, mas, concluindo com Paulo VI: “pôr em prática todas as possibilidades cristãs e evangélicas escondidas, mas já presentes e operantes nas coisas do mundo.” O seu campo é o mundo da política, dos negócios, do trabalho, da cultura, da ciência e das artes. Aí deve brilhar sua luz pelo seu testemunho, pela sua presença que iluminará o mundo com a Verdade e com o Amor.
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