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Retiro espiritual
Por: DOM EURICO DOS SANTOS VELOSO
ARCEBISPO EMÉRITO DE JUIZ DE FORA, MG.
 
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Lemos, muitas vezes, nos santos Evangelhos, que Jesus se afastava das multidões que o seguiam e retirava-se para um ermo onde pudesse entregar-se à contemplação. Antes de iniciar a sua vida pública, recolheu-se a um deserto, onde sua natureza humana foi posta à prova, sem que o demônio a pudesse dominar. A seus discípulos igualmente, ao voltarem da missão, retirava-se com eles para que pudessem na solidão  estar a sós com Deus.

São Bernardo apelidava a solidão de felicidade: “O beata sollitudo, o sola beatitudo”. Momento privilegiado aquele em que afastados do burburinho dos sentidos e do mundo podemos nos encontrar conosco mesmos e com Deus.

Foi no silêncio e na solidão  que Elias  ouviu a voz de Deus  na  suavidade de uma brisa. Na contemplação, os profetas, em recolhimento, sentiram o chamado e deixaram-se impregnar pelo Espírito, adquirindo forças para sua missão.

O silêncio e o recolhimento na oração foram e são marca constante na Igreja, desde quando os Apóstolos, no Cenáculo, por nove dias, na oração e no silêncio, esperaram a manifestação do Espírito Santo. Os eremitas fugiam e fogem das concupiscências da carne e da soberba da vida, indo para o deserto onde entregam-se ao conhecimento de si próprios e à união com Deus, para irradiarem a vida na Igreja com sua sabedoria.

Santa Tereza afirmava que Deus sempre quer nos falar, mas o mundo faz tanto barulho que não o podemos ouvir. “Tudo o que é definitivo nasce e amadurece no seio do silencio: a vida, a morte, o além, a graça e o pecado. O palpitante está sempre latente”, escreve Inácio Larrañaga.

Nas atividades do dia a dia nós nos perdemos. Deixamos até de pensar, como escreveu Pascal em um fragmento, um rascunho, talvez perdido em uma gaveta: “O homem foi feito para pensar; nisto a sua dignidade e seu mérito. Seu único dever consiste em pensar bem ; e a ordem do pensamento está em começar por si, por seu autor e por seu fim. Ora em que pensa o mundo? Jamais nessas coisas...” e conclui Sertillages, que cita o texto: “É preciso meditar muitas vezes sobre Deus, conceber a unidade da vida e a sua exigência de progresso, ter uma visão simples de nossas relações  e do nosso destino tão confusos pelo movimento habitual do mundo”. O espírito foi feito para pensar e julgar no Espírito de Deus.

O retiro nos leva às condições para a realização desta grandeza humana:”pouco menor que os anjos  fizeste o homem”, reza o salmo. No silêncio, vamos nos encontrar, primeiro conosco mesmos. Saber que somos criaturas privilegiadas e como temos respondido a essa nossa dignidade. Por atos penitenciais e de fé, no arrependimento, encontraremos a misericórdia de Deus no perdão. Nele apoiados planejamos uma vida nova. No silêncio e na oração, Deus nos revela sua face e nos fortalece como fortaleceu a Cristo nas tentações.

Sistematizando esses movimentos, Santo Inácio de Loiola, escreveu um roteiro, chamado “Exercício Espirituais”. Não é um roteiro para ser lido apenas, ainda que com muita atenção, mas para ser vivenciado. Por quarenta dias se estendem os exercícios, levando-nos da primeira semana na conscientização de nossa fraqueza e da falta de correspondência à graça, ao pedido de perdão pela misericórdia e, em vista  do nosso destino eterno, à resoluções firmes de uma nova vida. Foi a própria experiência que traduziu nestas páginas. Foi a experiência que exigia de todos os que queriam alcançar uma vida de humana perfeição na adesão à bandeira de Cristo.

Esse esquema é o seguido nos retiros que se fazem na Igreja em busca de um crescimento espiritual necessário para todos nós. Longe do barulho, procuramos examinar nossa vida e nosso atos confrontando-os com o Evangelho e, confiados na bondade divina, partir para uma vida nova, consciente de que o Reino de Deus está dentro de nós, Reino que é paz e alegria no Espírito Santo (Cf. Rm 14, 17).

Vivemos hoje um mundo de muitas solicitações. Não temos tempo para nada, tal o volume e velocidade de informações. Somos desviados pelas imagens e cultura para as concupiscências alheias ao espírito. Então o retiro, o recolhimento e a oração tornam-se mais necessários para superarmos as forças negativas e nos realizarmos como pessoas criadas à imagem e semelhança de Deus, nos tornarmos à imagem de Cristo.



 
 
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