Amazônia e solidariedade. |
Por: DOM EURICO DOS SANTOS VELOSO
ARCEBISPO EMÉRITO DE JUIZ DE FORA, MG. |
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Iniciamos, na próxima quarta-feira, o tempo quaresmal. É um tempo de reflexão e de penitência a que somos concitados para que sejamos dignos de participar da ressurreição de Cristo, primícias oferecidas a Deus na redenção da humanidade.
Não é um tempo de tristeza, um tempo de andarmos com a cara amarrada como se fôssemos criminosos a que se nega o perdão. Pelo contrário, concita-nos o profeta Joel a convertermo-nos, rasgando, não as nossas vestes, mas o nosso coração (Cf. Joel 2,13). O próprio Jesus chama a primeira atitude de hipocrisia e mostra-nos que, na alegria, devemos construir um tesouro onde a traça e a ferrugem não o consomem (Cf. Mt. 6, 16-21). A alegria deve ser a marca dos cristãos que procuram viver as bem-aventuranças no seu dia-a-dia.
Esse é o espírito que deve dominar nossa Quaresma: o confronto entre nossa vida e o Evangelho, e o Evangelho e nossa vida, tanto na vida particular como na sociedade, para reconstruir o mundo, abalado e quase destruído pelo pecado, na economia da graça. Por isso, a Igreja de Deus, no Brasil, nos tem apontado sempre, neste tempo santo, um tema em que, diante da humanidade sofredora, temos falhado como cristãos, um pecado pessoal e coletivo.
Neste ano, apresenta-nos a Amazônia e a solidariedade, dois temas entrelaçados: o grande desafio e o caminho de solução; o imenso território com toda sua riqueza e seus problemas não só decorrentes da própria condição natural, como também antropológicos e sociais e o meio eficaz de solução, a solidariedade e a fraternidade.
Gostaríamos de trazer, para início de nossa reflexão, uma pergunta feita nos dias de hoje, diante da comoção social causada pela morte cruel de uma criança e da condição dos seus assassinos, e que foi contado por Fritz Utzeri no Jornal do Brasil de domingo passado.
Sua sogra, foi abordada por uma criança que lhe pedia dois reais para comprar um par de sandálias. À vista de seus pés escaldados pelo asfalto quente, abriu seu coração e lhe deu as sandálias. Seu gesto foi recriminado por outra senhora: “são vagabundos, não merecem”, ao que ela retrucou: “Com que olhos a senhora está olhando para esta criança?”
Devemos nos perguntar: Com que olhos estamos olhando a Amazônia? O campo é imenso. Conquistadores, portugueses, mamelucos e índios se preocupavam com o estado de natureza no que ela apresentava, e compuseram uma pagina impressionante do seu esforço para dominá-la e possuí-la como espaço físico que principiaram a humanizar.
Missionários franciscanos, mercedários e jesuítas, aldeiando os indígenas, lhes ensinavam as artes e ofícios e, com santa violência, os defenderam. (Cf. História Geral da Civilização Brasileira, sob direção de Sergio Buarque de Holanda I vol. A época colonial – pág. 272 –4ª edição).
A Amazônia sempre foi motivo de cobiça e ambição. Ainda agora, a pretexto de defendê-la, projeta-se retalhá-la para serem entregues áreas para grandes companhias, talvez até multinacionais com direito à exploração. Já não basta a destruição de florestas e da fauna, a destruição do homem e a sua civilização nas aldeias e outros grupamentos. Até os índios são induzidos à ambição e ao vício.
A Igreja sempre esteve presente no meio dos povos amazônicos. Esta presença se faz mais necessária no momento atual. Por isso, o grande questionamento que fazemos nesta Quaresma: com que olhos estamos vendo a Amazônia? Apenas como motivação para cantá-la em prosa e em verso? Será que vamos entregá-la, relegando o esforço do passado? Vamos deixar que se destruam seus valores humanos e eco-sistema?
Temos uma obrigação imensa com a Amazônia pelo que representa para nós e para o mundo, para o homem que a povoa seus anseios e sua fé. E um desafio à evangelização. E então podemos redimir-nos de nosso pecado, com uma ação solidária para trazer a Amazônia para dentro do coração da Igreja no Brasil e de todos os brasileiros. Promover em nós e nas nossas comunidades um senso de fraternidade efetiva e co-responsabilidade na defesa e promoção da vida que a Amazônia exibe com toda a exuberância e vigor. Exemplos temos deste amor levado ao extremo do martírio, na vida e missão neste chão, como Padres Penido e Josimo; e Dorothy Stang e tantos outros.
A esta ação evangelizadora que é também cultural devemos nos integrar, como reparação do grande pecado da humanidade, cuja prática já se faz sentir e prever no eco-sistema. Se não temos condição de seguir os exemplos dos que dão a vida naquela região, não podemos deixar de nos preocupar com ela, defendendo a sua preservação e a racional utilização em benefício de toda a humanidade, defendendo o homem que nela habita.
A colaboração financeira deve brotar de um coração penitente consciente de sua responsabilidade. Assim viveremos, na alegria, o espírito quaresmal e nos prepararemos para melhor participar do mistério da Redenção em nossa vida e em nosso meio.
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