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Da contemplação à missão
Por: DOM EURICO DOS SANTOS VELOSO
ARCEBISPO EMÉRITO DE JUIZ DE FORA, MG.
 
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Venite, adoremus Deum, et procidamus ante Dominum; ploremus ante eum, qui fecit nos; quia est Dominus Deus noster. (Ps 94, 6-7).

Entrai, inclinai-vos e prostai-vos; adoremos o Senhor que nos criou, pois ele é o nosso Deus. (Sl 94, 6-7).


É assim que o salmista nos convida a iniciar nossa celebração litúrgica neste V Domingo do Tempo Comum. A liturgia, na verdade, é “mistério”. Portanto, a nossa atitude diante do “mistério” deve ser uma atitude de respeito, adoração, estupor. Como Moisés diante da sarça ardente que não se consumia (mistério!), nós também devemos nos despojar de toda a nossa leviandade e futilidade e nos prostrar diante do Senhor.

Este é o verdadeiro “clima” da liturgia. E por que devemos nos comportar assim? Porque reconhecemos a presença de Deus entre nós. Deus é nosso amigo, nosso pai e se fez nosso irmão em Jesus. Ele é mais próximo de nós do que nós mesmos. No entanto, é também nosso Criador, nosso Senhor, infinitamente superior a nós que somos suas criaturas.

Por isso, esta atitude de admiração diante do infinito deveria sempre estar presente em nossas celebrações. E não somente em nossas celebrações, mas em toda a nossa vida. É isto que nos mostram as leituras de hoje.

O Profeta Isaías contempla o Senhor sentado no seu trono. A atitude dele é de admiração e temor diante do mistério da glória de Deus. Também Pedro se enche de admiração e temor diante da ação misteriosa de Jesus. E, como conseqüência, os dois, tanto Isaías quanto Pedro, sentem o chamado do Senhor.

E que chamado é este? O chamado de levar aos homens esta presença do Senhor. São Paulo nos ensina que é este o Evangelho que ele prega: Cristo morreu, ressuscitou e está vivo entre nós. Esta certeza da presença de Jesus é que deveria transfigurar as nossas celebrações e a nossa vida.

Muitos gostam de enfatizar que Pedro se encheu de admiração por causa do sucesso da pescaria. Há uma interpretação comum deste Evangelho que diz que com Jesus sempre temos sucesso. Mas não é isto que importa aqui.

Vemos nesta cena a admiração de Pedro ao reconhecer a presença de Deus em suas atividades ordinárias do dia-a-dia. Quando conseguirmos ver que Deus está sempre presente (independentemente de sucesso ou fracasso), presente quando varremos a casa, quando lavamos a louça, quando cuidamos de nossos filhos, quando acolhemos as pessoas, então, teremos a mesma atitude de admiração e de temor diante desta presença misteriosa. Isto é contemplação.

Contemplação não é algo esotérico e complicado. É simplesmente esta admiração diante da presença de Deus em todos os minutos de nossa vida. E é esta atitude que nos impele à missão. O que é ser missionário? É levar a presença de Deus aos irmãos. Mas se não temos esta presença, o que levaremos? A nós mesmos? Por isso, vemos nas leituras de hoje que, antes da missão, vem a contemplação, a descoberta do mistério da presença de Deus no aqui e agora da nossa vida.


E a contemplação gera uma atitude de respeito, temor, admiração que deveria estar sempre presente em nossa vida. Deveríamos ser sempre capazes de ver, através do mundo fenomênico, a ação de Deus. E assim viver cada minuto de nosso dia com admiração e amor. Só assim poderemos ser missionários porque ser missionário não é levar uma doutrina ou uma lei ou um código moral, mas é levar uma PRESENÇA.



 
 
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