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Da fragilidade da vida
Por: DOM EURICO DOS SANTOS VELOSO
ARCEBISPO EMÉRITO DE JUIZ DE FORA, MG.
 
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Estamos chegando ao final do ano litúrgico, quando a Igreja propõe aos fiéis a reflexão sobre o fim último do homem e da humanidade. Não é um pensamento tétrico, mas de esperança para aqueles que crêem.

Nesse espírito e ainda dentro do mês de novembro em que lembramos nossos irmãos que já partiram na esperança da ressurreição, convém meditarmos um pouco sobre a fragilidade de nossa vida.

O salmo 90, na antiga numeração 89, nos ensina a rezar: “Ensina-nos, Senhor a contar nossos dias para que tenhamos coração sábio” (Cf. vers.12)

O desenvolvimento científico dos últimos anos, em progressão geométrica, sobretudo na área biológica e ambiental tem criado condições para uma vida saudável e uma idade avançada, um prolongamento da expectativa de vida que não conhecíamos  há alguns poucos decênio passados, limitada a sessenta anos. Já estamos passando para mais de setenta, fazendo real outro versículo do mesmo salmo: “setenta anos é o tempo de nossa vida, oitenta se ela for vigorosa” (Cf. vers.10)

Somos com isso induzidos a uma segurança absoluta. O transitório torna-se permanente. O tempo tem nova dimensão na velocidade dos acontecimentos que passam por nós numa sucessão ininterrupta tudo reduzindo ao instante presente como se fosse eterno. Os dias não têm fim com o por do sol, prolongando-se pelas noites que se estendem até o raiar do sol.

No entanto, apesar de tudo isso, temos de constatar que a vida humana é muito frágil. Há algum tempo, um trabalhador de um dos nossos cemitérios, quando com ele comentei que parecia-me  ser a maior parte dos sepultamentos de pessoas idosas, respondeu-me: “engana-se, é doloroso dizer o contrário, tal o número de pessoas jovens que sepulto, vítimas de drogas, assassinatos, desastres...”

Isto me faz lembrar do que diz a Imitação de Cristo, no Livro I, capitulo 23, vers. 39: “Quantas vezes ouviste dizer que aquele morreu pela espada, outro afogou-se, este fraturou a cerviz, mais um sofreu indigestão e ainda outro nos jogos.” Morte por fogo, por brigas,  por assaltos.

Nossos dias passam mais velozes que a lançadeira dos teares, diz o Livro de Jô, na figura da velocidade do seu tempo e a maior parte deles na dor e na miséria. Fernando Pessoa num poema sobre D. Sebastião, fala da loucura humana na busca da glória: “Louco, sim, louco porque quis grandeza / Qual a sorte a não dá./ Não coube em mim minha certeza./ Por isso onde o areal está / Ficou meu ser que houve, não o que há.”

Não nos adianta toda a segurança do mundo, toda a riqueza e poder. Estamos sujeitos sempre aos incômodos, à doença e a morte. O Senhor nos adverte na imagem do empresário que tinha seus celeiros abarrotados e imaginou e acreditou que poderia se regalar e dormir tranqüilo e sossegado. Insensato, disse Jesus, naquela noite seria ceifado pela morte. (Cf. Lc.12, 16-21)

Os Livros Santos nos recordam que a lembrança do nosso fim é princípio de sabedoria, pois inspira-nos o temor do Senhor e nos induz a levar uma vida santa, a aproveitar o tempo, torna-lo harmonioso e participativo da eternidade como “sua imagem movediça” na expressão de Sertillanges.

Contar nossos dias quer dizer saber da sua efemeridade se não estiverem conectados  com nosso destino eterno. E´ “operar nossa salvação com tremor e com temor” como fala-nos o Apóstolo Paulo (Cf. Fl. 2,12) para termos a glória de no Dia de Cristo não termos corrido em vão.

Contar nossos dias é vivê-los com sabedoria, confiados no Senhor “nosso refúgio de geração em geração” para que possamos, como São Francisco, saudar a irmã morte, que nos levará à vida eterna: “Louvado sejas, meu Senhor, / por nossa irmã morte corporal /da qual homem algum pode escapar / Ai dos que morrem em pecado mortal./ Felizes os que ela achar / conforme tua santíssima vontade / porque a morte segunda não lhes fará mal.”



 
 
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