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Um olhar sobre a cidade
Por: DOM EURICO DOS SANTOS VELOSO
ARCEBISPO EMÉRITO DE JUIZ DE FORA, MG.
 
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Que Dom Hélder Câmara me permita-me dar para título deste artigo o de um do seus livros em que ele nos ensina pular do quotidiano, que nos aflige, para as mãos misericordiosas de Deus que põe a nossa disposição tantas graças e riquezas que não sabemos usar, porque nosso olhos, os olhos do coração, se fecham no egoísmo, na avareza e na luxúria.

Lemos ainda há alguns dias nos textos litúrgicos que o Mestre, abraçando uma criança, colocou-a no meio dos discípulos e nos ensinou que “se não nos tornássemos como crianças, não entraríamos no Reino dos céus”. As crianças são simples, não têm maldade, tudo crêem, tudo esperam. Analogicamente assim deveríamos ser.

Realizamos neste domingo eleições para o governo do Brasil. Durante a caminhada dos candidatos, problemas graves que nos afligem foram deixados de lado a troco do que a “mídia” e “os marqueteiros” sugeriam poder dar votos.

Um olhar sobre a cidade, um olhar sobre nossa pátria é tão diferente das imagens apresentadas. Deixemo-las de lado e vamos caminhar pelas ruas e praças, pela periferia das cidades superpovoadas. Miséria material e, muito pior, a miséria moral que, inclusive invade nossos lares como pretensa arte que denigre o sacramento, ou reduz a vida conjugal e familiar a um erotismo, valorizando a traição e a falta de palavra. Roubos praticados por gente grande do dinheiro suado dos contribuintes.

Quiséramos ter um coração grande como o de D. Hélder que sabia mostrar o amor do Pai, retirando de dentro de nós as soluções para os problemas do dia a dia numa mensagem de amor dirigida ao povo simples e humilde, quando Arcebispo de Olinda e Recife.

Mas o mal se agigantou e agora, das páginas de todos os jornais, não só dos pasquins e da imprensa marron, jorram sangue e podridão. Santo Agostinho numa passagem de sua obra – A Cidade de Deus, escreve: “Dois amores fundaram duas cidade, a saber, o amor próprio levado ao desprezo de Deus, a  terrena; o amor de Deus levado ao desprezo de si próprio, a celestial. (Lib XIV, cap. 28).E continua mais adiante: “A natureza pervertida pelo pecado engendra os cidadãos da cidade terrena; a graça , que liberta a natureza do pecado, engendra os cidadãos da cidade celeste.” (Lib XV, cap. 2).

Poderíamos, e assim penso meditando a Palavra de Deus, dizer que a cidade terrena é também o campo de prova dos que têm fé e, na luta diária e diuturna, procuram vencer o mal e levar a mensagem de paz a todos os homens. Constituímos, dentro da cidade terrena, a cidade de Cristo, a sua Igreja, sacramento de santificação para o mundo.

Se há o crescimento do mal, maior dever ser nosso empenho e trabalho missionário e profético para transformar em primeiro lugar os corações, mas também as estruturas da sociedade, pois toda a natureza espera, com ansiedade o advento do Reino de Cristo que tudo santificará para a entrega ao Pai.(Cf. Rm. 8)

Politicamente, o governo da cidade está em nossas mãos. Tem-se falado no voto consciente. Mas quero acrescentar, depois do voto, cabe-nos a responsabilidade da exigência de seriedade na gestão da coisa pública, da paz e da tranqüilidade na ordem e no desenvolvimento harmônico de todos os cidadãos e classes e não só de privilegiados.

O Concílio Ecumênico Vaticano II, no Decreto “Apostolicam Actuositatem”, nos ensina que “a obra redentora de Cristo, que consiste essencialmente na salvação dos homens, inclui também a restauração da ordem temporal” e que devemos assumir a renovação desse ordenamento por um trabalho intenso, guiados pelo Evangelho.

Um olhar sobre a cidade, não nos deve só trazer a tristeza  no coração. Com a graça de Deus, empenhemo-nos de corpo e alma na renovação de nossa pátria numa cultura cristã de respeito, trabalho e dignidade, para que possamos ser a realidade do sonho de São João Bosco, um país cuja capital é simbolizada pela cruz redentora e o celeiro do mundo.



 
 
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