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A preciosidade do tempo.
Por: DOM EURICO DOS SANTOS VELOSO
ARCEBISPO EMÉRITO DE JUIZ DE FORA, MG.
 
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Ensina o Livro do Eclesiastes (Cf. cap. 3):”Há um tempo para tudo e um tempo para todo o propósito debaixo do céu.” Neste mês, dedicado ao Livro Sagrado, à Bíblia, cabe uma reflexão sobre a sabedoria dos seus ensinamentos, a tradição meditada  do povo de Deus em relação ao destino do homem.

Temos o tempo em nossa vida que nos associa ao destino eterno. O tempo se toma em relação à eternidade. Por isso, Santo Tomas se recusa a chamar frutos da atividade humana os nossos êxitos de realizações terrenas e conclui: - “a planta do homem  é destinada a florescer no céu”.

Na civilização atual, diferentemente, todo o esforço do homem consiste no desenvolvimento da vida exterior: ambiente de conforto, luxo, instrumentos de prazer, perfeição estética corporal.

Haveria erro nisto, em postular melhores condições de vida e de saúde? Certamente não, desde que a vida mesmo, que é uma atividade interior não ficasse esquecida e, mais infelizmente,  não fosse desprezada.

As leis da vida são ignoradas e delas até se zomba. Um olhar pelos noticiários dos jornais, das emissoras de rádio e televisão: - as tragédias dos jovens nos acidentes de trânsito após noitadas de álcool, licenciosidade e prazeres que, numa curva desembocam na morte; os assassinatos frios e violentos que não mais acontecem só nos guetos e vielas, onde o peso da vida é maior, mas nas mansões e bairros nobres.

Mulheres bonitas e realizadas que perdem a feminilidade e não têm medo de acionar o gatilho e deixar sem vida seus amantes; volúpia pelo poder e pela riqueza que se espalha descaradamente em roubos e assassinatos, falcatruas com o dinheiro público, arrancado dos contribuintes honestos com fúria descomunal. Ainda é do Livro do Eclesiastes: “no lugar do direito encontra-se o delito, no lugar da justiça, lá se encontra o crime” (Cf. Ecl.3, 16)

O horizonte da vida é a morte e além, nada mais há. Gozemos e aproveitemos. A humanidade, ao que parece, apaixonou-se por sua perda. Contrariando a Sabedoria, não há tempo para nada, na cascata dos acontecimentos, como um rio que, na torrente, arrasta as pedras até que elas se ajuntando, de repente, lhe tolhem o curso. A civilização tende a apodrecer os homens como as grandes cidades viciam o ar, escreveu alguém.

Há um tempo para tudo. Saibamos usar o tempo construindo nossa eternidade. Paulo nos orienta para a vida do espírito. Diante da realidade da morte e da degeneração da matéria, exclama: “Por isso não nos deixamos abater. Pelo contrário, embora em nós o homem exterior vá caminhando para sua ruína, o homem interior se renova dia a dia”(Cf. 2 Cor.4,16).

O cristão deve viver a vida do espírito. O que quer isso dizer senão que nosso horizonte não termina onde o sol se põe, isto é, no nosso dia terrestre. A luz que nos ilumina é a fé. Raiou pequenina, representada pela vela do nosso batismo.

Cresceu pela força da Palavra de Deus difundida em nós, nutriu-se com o Pão dos Anjos na Eucaristia, acertou seus rumos pelos sacramentos penitenciais e pela vida da Igreja.

‘A luz da fé saberemos dosar nosso tempo e encontrar ”tempo para tudo e tempo para todo o propósito debaixo do céu”. Sob essa luz poderemos rezar em nossa vida todo o poema do Livro Santo (Cf. Ecle. 3, 2-8), porque passaremos pelas alegrias e vicissitudes desta vida, sem as agruras da desesperança que o Autor, sem ter ainda a Revelação completa, deixa transparecer.

Para ele o horizonte estava coberto de nuvens, enquanto para nós,´a ressurreição de Cristo nos dá a garantia e a certeza: o mortal será absorvido pela vida. “E que nos dispôs a isto foi Deus, que nos deu o penhor do Espírito” (2Cor. 5,5).

Vivamos o tempo como se não estivéssemos no tempo. Projetemos nossa vida para o Dia Eterno. “Encerramos nosso tempo na eternidade, nosso amores parciais no amor supremo, nossa variedade humana na unidade divina” (Amiel, cit. por Sertillanges).



 
 
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