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A paternidade, um rastro de Deus
Por: DOM EURICO DOS SANTOS VELOSO
ARCEBISPO EMÉRITO DE JUIZ DE FORA, MG.
 
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Em um  texto doutrinal, São João da Cruz comenta os versos: “Mil graças derramando/ passou por estes soutos com presteza/ e, enquanto os ia olhando,/ só com sua figura a todos revestiu de formosura.” –“Deus criou todas as coisas com grande facilidade e rapidez, deixando nelas um rastro do que Ele é.”(C..5,1-4).

O comentário é todo uma poesia, pois só a poesia é capaz de exprimir os lampejos da divindade nas criaturas. Foge aí toda a lógica e toda a ciência, queda a razão, por momentos, enquanto o místico percebe a essência do mistério divino.

E prossegue o santo, vendo o Pai a caminhar lançando sementes de vida em todas as coisas, pelo Verbo, Sabedoria de Deus que, como diz as Sagradas Escrituras, no Livro dos Provérbios (8, 30) se deliciava “brincando em sua presença, brincando na superfície da terra e se alegrava com os homens”, de cuja natureza iria participar para levá-los todos ao resplendor da sua glória, “glória semelhante a do Pai, cheio de graça e verdade” (Cf. Jo. 1,14).

O texto condensa a ação criadora de Deus, que lança nas criaturas seu germe criador até conduzi-las à imagem do Filho, que, como no ensina São Paulo, é figura de sua substância.

O texto nos leva analogicamente a compará-lo com a paternidade na família humana, que tem em Deus o seu princípio, como lemos na Carta aos Efésios: “Por este motivo  dobro meus joelhos diante do Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, do qual toma nome toda a paternidade nos céus e na terra...(3,15).

No pai reside a semente da vida que fecunda no seio materno a nova criatura, perpetuando o elan criativo de Deus pelos tempos afora.

Sublime por demais é a paternidade para ser reduzida à comemoração de um só dia e, ainda pior, deteriorada pela insistência comercial.

Sublime por demais é ainda a paternidade para ser reduzida a um simples ato, que não seja preparado com amor e graça e que não se esteja pronto para receber nos seus braços a nova vida no amplexo trinitário do esposo, da esposa e do filho que nos remete à essência do amor de Deus – “Deus charitas est – Deus é amor”.

A Providência Divina acompanha suas criaturas. No Sermão da Montanha, o Mestre, ensinando-nos a ter confiança em Deus, fala-nos das aves do céu e dos lírios do campo que o Pai do Céu alimenta e veste, pois Deus não despreza a obra de suas mãos. O salmista nos ensina a rezar:”Os olhos de todos em vós esperam, Senhor, e lhes dais o alimento em tempo oportuno. Abris a vossa mão e encheis de bênçãos todos os seres”

Assim como a Providência Divina acompanha amorosamente toda a criatura, da mesma forma, no gênero humano, à paternidade, junto com a mãe, cabe a providência humana de acompanhar o filho,  generosa e varonilmente na formação física, mental e sobretudo espiritual para crescer com a dignidade que Deus nos reservou.Como é importante o abraço do pai a seu filho e a sua filha, que nele confia, porque sabe que os ama, orienta e socorre.

Quando, no altar, os entrega a outro jovem ou a outra jovem para continuar a perpetuação da vida, ao beijá-los transmite-lhes a força e a continuidade da esperança, do amor e da vida.

É o milagre da presença criadora e providencial de Deus que se repete na paternidade.

A esse quadro do plano divino se opõe o pecado que mancha e obscurece a sua luminosidade.Em cada tempo, com seus requintes próprios, tenta destruir a sua formosura.

Cabe-nos, como cristãos, restaurar o sentido da paternidade. E somente em Cristo, que veio para nos salvar da morte, fruto e conseqüência do pecado, encontraremos a força e os meios.

Como profetas, temos de destruir e arrancar, erradicar as ervas daninhas do erotismo sem limites, do culto às riquezas e ao superfluo e da irresponsabilidade. Não podemos aceitar as imagens que os meios de comunicação nos trazem de uma paternidade irresponsável.

Um ambiente sócio-econômico estável, com justa distribuição das riquezas que favoreça e fortalecimento dos vínculos familiares, meios de trabalho, de moradia e de educação são condições básicas pelas quais devemos lutar, para que, nas famílias, a presença paterna, possa refletir a paternidade divina.

Mais profundamente ainda é valorizar a Palavra de Deus, na oração e nos sacramentos. A beleza externa da celebração do sacramento do matrimônio deve ser uma resultante da compreensão e da vida da graça que transmite.

O fomento à vida familiar, na alegria da esposa e dos filhos, na superação das dificuldades pela confiança inabalável na Providência Divina e, sobretudo, no amor e na fé é o melhor presente que podemos dar a nossos pais, não só no dia a eles dedicado, como em todos os dias  ao lhes beijar as mãos.



 
 
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