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Remorso e arrependimento
Por: DOM EURICO DOS SANTOS VELOSO
ARCEBISPO EMÉRITO DE JUIZ DE FORA, MG.
 
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Há, na Sagrada Escritura, dois episódios que ocorreram concomitantes com a morte de Jesus. Na madrugada daquela sexta-feira santa, por três vezes Pedro negou sequer conhecer o Divino Mestre. E “enquanto ele ainda falava”, conta-nos São Lucas, ”um galo cantou e o Senhor voltando-se, fixou olhar em Pedro. Pedro então lembrou-se da palavra que o Senhor lhe dissera: antes que o galo cante hoje, tu me terás negado três vezes, E saindo para fora, chorou amargamente.” (Lc.22,61-62)

Pouco antes, ainda na noite de quita-feira, Judas deixando a ceia, logo depois da severa advertência de Jesus – “ai daquele homem por quem ele for entregue” (Lc. 22,22)- entregou o Amigo nas mãos dos que queriam matá-lo. E ainda neste momento um apelo de Jesus para seu arrependimento: “Amigo, para que estas aqui”. Com um beijo entregas o filho do Homem? (Mt 26,50-Lc 22,48). Horas depois, vendo que Jesus fora condenado, sentiu remorsos escreve São Mateus ”retirou-se e foi enforcar-se” (Mt.27,5)

A narração dos dois acontecimentos levam-nos a refletir sobre o arrependimento e o remorso, ambos sentimentos bem dentro de nós, co-naturais à nossa condição humana.

Nascidos no pecado, ouvimos o apelo da graça, o chamado, a vocação à fé, que deve conduzir-nos à conversão, a mudança de vida, deixando o pecado para trilhar o caminho da esperança que nasce de termos aceitado o Cristo, de recebê-lo e receber a adoção de filhos de Deus.

Esta conversão é um caminho árduo, pois contra ela temos os resquícios do pecado, o orgulho de sermos prepotentes “Deus sabe que, no dia em que dele comerdes, vossos olhos se abrirão e sereis como deuses, versados no bem e no mal”(Gn. 3, 5)

Mas, a bondade de Deus não nos abandona e nos chama de muitos modos ao retorno para a estrada real que abriu-nos com sua morte e ressurreição. Assim fez com Pedro e com Judas. Advertiu-os do que ia acontecer. Abriu-se ao acolhimento do seu retorno. A Pedro seu olhar, a Judas, na extensão do seu pecado, uma palavra sofrida de um amigo traído. A ambos chamou para seu perdão.

Os sentimentos, porém foram diversos. Nas lágrimas amargas, o arrependimento que, mais tarde ainda se configuraria na humildade da confissão. Não mais o Pedro que confiava em si, quase arrogante, mas na confiança: “Simão, filho de João, tu me amas? Entristeceu-se Pedro porque pela terceira vez lhe perguntara: Tu me amas e lhe disse: Senhor tu sabes tudo. Tu sabes que eu te amo.” (Jo.21,17)

Judas, pelo contrário, teve remorsos. Sua natureza revoltou-se contra si próprio. Não reconheceu sua fraqueza. Não chorou seu pecado. “Que temos nós com isso. O problema é teu” (Mt. 27,4)responderam os sacerdotes e anciãos. Seu orgulho levou-o à forca.

Também nós, diante do mal que fizemos ou que causamos, podemos nos revoltar contra nós mesmos, vendo o estrago decorrido. Não reconhecemos nossa fraqueza e que somos feitos do mesmo barro que Adão. O sentimento é de destruir tudo. É o remorso que nos conduz às depressões quando não ao desespero. Procura-se o psicólogo, o analista em busca de uma paz que não se encontra, recorre-se aos medicamentos e nada. Em nosso interior a contínua revolta o desespero que não nos deixa viver senão alucinados.

Agora, se nos arrependemos, se reconhecemos nossa culpa, humildemente buscamos o perdão. Perdão de nós mesmos pela humildade pois “não somos como deuses”. Somos frágeis, não temos a “ciência do bem e do mal”. Perdão dos irmãos, na caridade fraterna. Perdão de Deus, confiando na sua infinita misericórdia. Somente esta atitude nos dá a paz. Somente ela nos da a alegria da vida confiante. Somente ela, sustentada pela fé, nos dá a esperança da vida e da vida eterna.



 
 
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