A festa do amor |
Por: DOM EURICO DOS SANTOS VELOSO
ARCEBISPO EMÉRITO DE JUIZ DE FORA, MG. |
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A solenidade do Sagrado Coração de Jesus, que a Santa Igreja celebra na primeira sexta-feira após a oitava de Corpus Christi, é uma das memórias mais antigas, senão como celebração litúrgica, cara à devoção cristã. É a festa do amor, a festa daquele órgão vital que, no Deus humanado, tornou-se símbolo da grandeza de um sentimento capaz de tudo pelo homem.
Mais uma vez, no plano da salvação, o homem é o centro da criação; é a imagem e semelhança do Pai por quem chegou-se o Criador às últimas conseqüências de sua misericórdia: fazer-se semelhante à criatura e pela remissão de seus pecado entregar-se à morte. E no alto do patíbulo, um último sinal é dado, como graças jorrando a flux: “Um dos soldados abriu-lhe o lado com uma lança e, imediatamente, saiu sangue e água” (Jo 19,34); o sangue da compaixão, que extravasa por amor; a água da remissão, com que se lava o homem da nódoa da culpa de Adão; o sangue da eucaristia, a água do batismo.
Ainda assim, mesmo se exaurindo por amor da humanidade, numa revelação à Santa Margarida Maria a 16 de junho de 1675, reclamaria o Senhor: “Eis o coração que tanto amou os homens e em troca não recebe, da maior parte deles, senão ingratidões pelas irreverências e sacrilégios, friezas e desprezos que têm por Mim neste Sacramento de Amor”. E mais um pacto de amor realiza o Divino Mestre com a religiosa visitandina, atraindo tantas almas que o desejam ardente a se unirem a Ele no plano de salvação.
As doze promessas àqueles que se dedicam às práticas de espiritualidade, como a celebração do mês do Coração de Jesus, hora-santa e comunhão reparadora às primeiras sextas-feiras, entronização do Coração de Jesus nos lares, é uma especial oportunidade para a participação nos méritos da paixão e morte de Cristo, nas intenções da Santa Igreja e particulares de cada um. “Às almas consagradas ao meu Coração, dar-lhes-ei as graças necessárias para seu estado”, é a primeira promessa de Jesus a Santa Margarida Maria, à qual se seguem outras, assegurando-nos dos benefícios da graça santificante, fortalecendo-nos contra os vícios e a impureza, assegurando-nos a perseverança final e o céu.
A celebração do Sagrado Coração de Jesus é um momento de aprofundamento espiritual significativo para todo cristão. Na contemplação do Coração traspassado, o homem é levado ao desejo de reparação pelas inúmeras ofensas cometidas por si e pelos seus contra o Divino Redentor. Nessa reflexão alimenta-nos a experiência e as considerações dos místicos e santos da Igreja, desde os primeiros tempos do cristianismo. Um dos primeiros foi o Discípulo Amado: “Eu vi! Eu sou testemunha! Eu digo a verdade, para que vocês creiam!” (Jo 19,35), e mais além: “Ele vem... e o mundo todo o contemplará, até mesmo aqueles que o transpassaram!” (Ap 1,7), citando apenas aquele que foi um dos primeiros adoradores de Cristo, no Calvário. “Aconteceu isso para se cumprir a passagem da Escritura que diz: contemplarão aquele que transpassaram!” (Zc 12,10).
Movidos pelo ardente desejo de participar mais intimamente desse mistério insondável de amor, rezemos com o seráfico São Boaventura: “Ó Jesus, digna-Te aceitar e escutar a minha oração. Leva-me toda inteira para o Teu coração. Ainda que a deformidade dos meus pecados me impeça de entrar nele, contudo, dado que por um amor incompreensível este coração se dilatou e alargou, Tu podes receber-me e purificar-me da minha impureza. Ó Jesus puríssimo, lava-me das minhas iniquidades a fim de que, purificada por Ti, possa habitar em Teu coração todos os dias da minha vida, para ver e fazer a Tua vontade. Se o Teu lado foi trespassado, foi para que a entrada nos seja amplamente aberta. Se o Teu coração foi ferido, foi para que, ao abrigo das agitações exteriores, possamos habitar nele. E é ainda para que, na ferida visível, vejamos a invisível ferida do amor.” (in “Meditações sobre a Paixão do Senhor 3”)
“Jesus, manso e humilde de coração, fazei o nosso coração semelhante ao Vosso.”
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