Espírito Penitencial |
Por: DOM EURICO DOS SANTOS VELOSO
ARCEBISPO EMÉRITO DE JUIZ DE FORA, MG. |
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Falar em penitência nos dias de hoje soa anacrônico, coisa do passado. Depois de mais de três séculos do domínio da razão já chegáramos a um estágio da civilização, a uma sociedade científicamente estruturada.
O desenvolvimento e o progresso geraram uma riqueza incomensurável e a ciência desvenda o infinito do espaço e desce às profundezas do microcosmo. O mistério da vida é pesquisado e novas descobertas prolongam a vida humana na superação das doenças. O conhecimento se universaliza nas redes da internet.
Como se falar em penitência diante de uma consciência de vitalidade e de poder? Isto é coisa do passado, quando se sentia a fragilidade do ser humano e a inconsistência dos recursos.
Mas, eis que, quase repentinamente, esta civilização que se moldava pelo ganho, tudo transformado em mercadoria e que desconhece a proximidade do pobre que está a seu lado em multidão, desaba.
Quando éramos criança, gostávamos de fazer bolas soprando a água com sabão e disputávamos sobre quem as fazia maiores a refletir na sua esfera as cores dissociadas da luz, as cores do arco íris. E vendo-as navegar ao vento no pequeno espaço torcíamos para que não se arrebentassem logo.
Assim também o mundo inteiro da economia. Era uma imensa bola de sabão que pensávamos definitiva. Móvel de todo o progresso e do desenvolvimento, sustentava todo o custo das experiências e avanços da técnica e da ciência. Todo o bem-estar social. E, de hora para outra, é a crise.
E vamos ter de conviver com ela, por quanto tempo? E com suas mazelas de queda da produção, de quebras, falências e de desemprego. E tudo isso junto com a desonestidade e a malícia do coração. Vejam: o socorro com o dinheiro público, deslavadamente vai para o bolso de uns poucos como gratificação em empresa falida!
Diante do quadro que já bate às nossas portas, sentimos a efemeridade das construções do homem. Não que não haja soluções de reconstrução. Mas estas serão sempre marcadas pela transitoriedade, pois limitada é a razão humana, apesar de sua constante evolução, o que por si só comprova sua limitação.
O fundamento do espírito penitencial é a consciência de que não somos absolutos e onipotentes. Que reside em nosso coração a raiz do Mal, o orgulho e a soberba herdados de nossos primeiros pais que tentaram ser iguais a Deus, como nos relata o Livro sagrado.
A reconciliação do homem passa pela humilhação de Cristo, que, sendo Deus rebaixou-se à condição mortal e se entregou ao sacrifício e à morte. Sua paixão redime o homem e só ela é suficiente para a salvação.
Mas, esta redenção, oferecida a toda humanidade, respeita a nossa liberdade.
Exige a conversão, a renúncia ao pecado e às concupiscências que a ele conduzem. Um esforço para erradicar de nosso coração, dos coração da humanidade, a raiz do Mal.
Este esforço é penoso. Como o do próprio Cristo, que tendo assumido a nossa condição, teve de passar pelo sofrimento e pela cruz. Esse caminho é também o nosso se quisermos segui-lo
Como ensina São Paulo, temos que suprir o que falta ao sacrifício de Cristo, isto é, pelo sofrimento na luta contra nossas paixões e vícios.
Na carta ao Coríntios, o mesmo Apóstolo nos concita a este combate, exemplificando com os que lutam nos estágios. Eles batalham, de tudo se abstêm para conseguirem uma glória passageira, de alguns minutos no topo. Nós, porém, buscamos a vida eterna.
Pela penitência, nascida do coração e santificada pela união mística com o sofrimento redentor, podemos caminhar na direção da pátria definitiva.
No último capítulo do pequeno livro da Imitação de Cristo, livro II, o autor nos mostra que não há outra via para a realização em nós do mistério da redenção, senão o “caminho real da santa cruz.
Por mais avançada que seja a civilização ela nunca será perfeita. Temos que dela usar, mas nela não por a esperança. A nossa esperança, como a de todo o Universo, só pode se concretizar quando tudo subordinarmos ao império de Cristo (Rom 8,18-25), que, por sua morte destruiu o pecado e em Quem triunfaremos pela sua Ressurreição.
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