Fechar os olhos |
Por: DOM EURICO DOS SANTOS VELOSO
ARCEBISPO EMÉRITO DE JUIZ DE FORA, MG. |
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Tempo da quaresma. Um tempo de reflexão. De voltarmos o olhar para nosso interior e, procurando ser sinceros conosco mesmos, conhecer o que somos.
Marco Aurélio, imperador romano e filósofo, escreveu: “olha para dentro; dentro está a fonte do bem e sempre poderá jorrar se sempre cavares”.
Os olhos abertos nos dispersam na diversidade do que está ao nosso redor, no pequeno mundo de poucos metros, de nossos interesses imediatos e dos nossos desejos que passam mais rápido que a lançadeira do tear, usando a linguagem do Livro de Jó.
Com isso nos encantamos, despendemos nosso tempo, e construímos, na efemeridade dos dias, o nosso mundo e os nossos ideais, a riqueza, a glória que passa como se esfarelam as faixas das vitórias, carcomidas pelas traças.
Disso nos gloriamos e chegamos a nos esquecer do que pode elevar-nos às grandezas do espírito.
Para vermos mais longe precisamos subir às alturas. Se quisermos ter a visão de nossa cidade, temos de escalar as montanhas a cujos pés ela se descortina ou atingir a altura das nuvens nas aeronaves.
Daí já não vemos as mazelas que a infestam na miséria das ruelas e casebres. Mesmo na fotografia dos satélites, a técnica tem de se concentrar, em caminho inverso, para mostrar realidades que fogem à amplitude.
Essa exterioridade nos leva a tudo julgar pela aparência. Pelo imediato que desaparece ao dobrarmos a primeira esquina.
Assim, a visão que temos de nós mesmos e do próximo, e das coisas. Antonio Vieira, num dos seus sermões diz que terrível é o julgamento de Deus, mas muito mais terrível é o julgamento dos homens. Deus julga pelo que é, o homem julga pelo que lhes parece ser.
Devemos aprender a cerrar os olhos e penetrar a fundo em nosso coração, em nossa alma. Com os olhos abertos somos cegos pelas nossas paixões, o ódio, a inveja, a soberba, a gula, a avareza, que nos levam ao julgamento do imediato e pelas aparências.Fugimos à sinceridade.
E, sobretudo, mentimos a nós mesmos julgando-nos superiores e exigindo que assim nos considerem.
Cerrando os olhos para uma reflexão sincera procuramos nos ver, ver o próximo, ver a realidade em outra dimensão. Na dimensão do que é e não do que nos parece. Na dimensão do nosso destino eterno.
A mais alta dignidade que temos e que supera o instinto animal e que de Deus nos aproxima é a vida espiritual, de que é instrumento o nosso intelecto, o pensamento. O espírito que nos eleva da matéria.
Penetrando neste espaço, vemos a realidade do que somos. Os auto-elogios, que de nós próprios fazemos e que exigimos seja considerados pelos outros, se fragilizam quando nos conhecemos a nós mesmos, seguindo a lição socrática do “conhece-te a ti mesmo”.
Vemos o próximo sem as conotações de estado e das exterioridades e os descobrimos como irmãos. O mundo e sua gloria limitam-se no espaço e no tempo. Entramos no mistério de Deus que nos criou e que tanto nos amou que, em Cristo, se fez nosso irmão.
Desta reflexão saímos fortalecidos se, na humildade do coração nos reconhecermos. A graça se derramará abundante sobre nós.
Um dia, uma alma piedosa, quando já não tivermos forças, nos ajudará a cerrar, pela última vez, as pálpebras e nós, que já as tínhamos acostumado a se fechar na busca dos caminhos da Verdade, num raio, penetraremos para sempre naquela Luz “che dà se è vera” (Dante, Par.XXXIII, 54).
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