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A vida cristã em família.
Por: DOM EURICO DOS SANTOS VELOSO
ARCEBISPO EMÉRITO DE JUIZ DE FORA, MG.
 
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Celebramos, na semana passada, a festa litúrgica de Joaquim e Ana, santos no seio de cuja família nasceu e se formou a Virgem Santíssima.

É uma ocasião importante para refletirmos sobre a família cristã no início deste século, há mais de 2.100 anos distante daquela casa, provavelmente em Nazaré, onde se procurava viver a Palavra de Deus na esperança de sua realização definitiva, a vinda do Desejado das Nações.

A tradição da fé no Deus presente, do Deus que, muitas vezes traído, não abandonava o seu povo, era, como ainda o é, uma constante entre os judeus.

Os pobres de Javé, o resto de Israel ansiava por esse dia Maria ouvira de seus pais, com eles nutria, na oração, a certeza da realização da promessa feita a Abraão, reacendida e reanimada na voz dos profetas. “Um povo que jazia nas trevas”, proclamava Isaias, “viu uma grande luz; para os que moravam na região sombria da morte raiou a luz.

O jugo que sobrecarregava, a vara que fustigava, o cetro do opressor Tu os quebrastes como no dia de Madian.”(Cf. Isaias, cap. 9). Formada neste ambiente, não é de se estranhar o diálogo de Maria com o Anjo Gabriel. Passado o primeiro momento do temor reverencial, o que se vê e o que se ouve é uma mulher forte, consciente, que se põe a serviço dos homens, seus irmãos, seu povo, aceitando o convite divino para ser a co-redentora.

Joaquim e Ana imprimiram na alma daquela moça a fibra de uma mulher que, na humildade da serva, sabedora de todas as conseqüências de seu ato, curva-se à vontade de Deus e torna-se a Mãe do Redentor. Vivendo já a realização do mistério pascal, do mistério redentor que, libertando-nos da escravidão do pecado, gerou-nos para a graça, como transmitimos hoje, em nossas famílias, essa fé e essa vida nova?

Os tempos são maus. Como também o eram no tempo de Joaquim e Ana. Desde a dinastia dos sucessores de Alexandre Magno, intensificou-se a helenização da Palestina, tentando destruir a cultura e costumes do povo judeu. Na ordem política eram dominados pelo poder de Roma, extorquidos por pesados impostos, oprimidos pelos seus próprios dirigentes que se submetiam às forças externas em benefício próprio.

Pouco diferente do que vemos hoje, quando as forças do Mal sabem que lhes resta pouco tempo e aprimoram-se nos meios mais eficientes de destruição de tudo que possa significar a presença da cultura cristã que nossos pais foram construindo desde o calvário e a ressurreição gloriosa de Cristo, desde o tempo apostólico. Ainda recente, no V Encontro Mundial das Famílias, realizado em Valença, na Espanha, no começo deste mês de julho, o Santo Padre assim se expressou: ”Junto com a transmissão da fé e do amor do Senhor , uma das maiores tarefas da família é a de formar pessoas livres e responsáveis.

Por isso os pais devem ir desenvolvendo nos seus filhos a liberdade, da qual durante algum tempo são tutores” (Cf. Alocução na Vigília, em 8 de julho 2006). A transmissão da fé e do amor se faz não só com palavras, mas sobretudo com a vivência.

Um ambiente doméstico, onde se respira a liberdade consciente e responsável, de respeito mútuo e de oração, de escuta à Palavra de Deus é o meio mais adequado de formação dos filhos e de induzi-los a viver a maravilhosa novidade do Evangelho na sua vida. Certamente, a raiz dos males que afetam a juventude dos nossos dias, induzida por todos os meios ao hedonismo, às drogas e até mesmo ao crime seja a falta de uma vida familiar e a ausência do Deus presente na família.

Tantos e tão perfeitos são os meios de destruição da cultura cristã, dos ataques sorrateiros à fé, que a vida familiar se restringe a um aparelho de televisão e a encontros casuais entre pais e filhos e quando os há. Não há tempo para o diálogo. Não há tempo para sentir a Providência Divina que se traduz em cada ato e em cada momento, desde o amor consagrado dos jovens esposos, da concepção da criança, de seu crescimento até sua partida para levar à frente todo aquele patrimônio recebido e aprimorado em cada geração.

A família cristã, voltamos ao ensinamento reafirmado pelo Papa, na homilia da missa de encerramento do Encontro de que falamos acima, está chamada a cumprir sua missão não como algo imposto de fora, mas como um dom da graça sacramental. Na vida do cristão, no seu caminhar pode ele contar com o Deus presente pelo seu Espírito transmitido sensivelmente pelos sacramentos. Joaquim e Ana não recuaram na sua fé e confiança diante da missão familiar. A seu exemplo e garantido pela misericórdia de Deus, vamos também prosseguir e fazer de nossas famílias fortalezas da fé e da caridade.



 
 
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