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A dignidade da pessoa humana
Por: DOM EURICO DOS SANTOS VELOSO
ARCEBISPO EMÉRITO DE JUIZ DE FORA, MG.
 
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Várias organizações, em todo o mundo, estão comemorando os sessenta anos da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Aquele documento, que marca a história da humanidade tão significativamente, buscando conter a repetição dos abusos cometidos na Segunda Grande Guerra que há pouco se encerrara, em 1945, ainda hoje é de uma importância singular.

Essa importância, no entanto, é mais um alerta, visto muitas de suas cláusulas serem correntes nas Constituições de diversas nações e em acordos diplomáticos. Contudo, a Declaração reúne um conjunto de disposições que norteiam e devem ser interpretadas num sentido lato. Isso porque, passadas seis décadas, muita coisa mudou, não apenas na geografia do mundo, ou nas novas influências ideológicas, alterações comportamentais etc. Uma grande preocupação no momento, e que há de ter um amparo a partir da Declaração Universal dos Direitos do Homem, evitando, desta forma, conflitos acerca de doutrinas religiosas, é a questão da bioética.

Esse tema tem merecido especial tratamento por parte da Santa Igreja. Estudos, discussões e pesquisas têm sido promovidas, assegurando a dignidade humana. Por isso mesmo, no dia 12 de dezembro, a Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé divulgou a “Instrução Dignitas personæ – Sobre Algumas Questões de Bioética”, expondo sobre tão polêmico tema, à luz da ética e da doutrina católica. O documento foi assinado pelo Emmº. Cardeal Prefeito daquela Congregação, Dom William Levada, na solenidade da Imaculada Conceição.

É possível que, quando estas linhas chegarem ao conhecimento de nossos padres, religiosos e religiosas que trabalham em nossa Arquidiocese de Juiz de Fora, bem como aos leigos de um modo geral, alguma deturpação já tenha se disseminado, principalmente pelos meios de comunicação de massa. Infelizmente, é dessa forma como tratam a maioria das acentuações feitas pela Igreja em casos que necessitam de uma profunda compreensão, desde o conhecimento abrangente nessa área.

Por isso, desde já, alerto para a necessidade de se dedicarem a estudos minuciosos desse importante documento, mais ainda aqueles que o receberem com uma certa restrição extemporânea. Antes de tudo, o católico praticante, esclarecido, confia no Magistério da Igreja e deve estar aberto a receber suas orientações, provenientes da graça do Espírito Santo que o assiste.

A Instrução, que vem à lume na aurora de mais um ano litúrgico, é como que uma continuidade de outros documentos pontifícios, com realce para a declaração conciliar “Dignitatis humanæ”, a magistral encíclica “Humanæ Vitæ” de Paulo VI, que aliás está completando 40 anos de sua promulgação, e a “Intrução Donum vitae - sobre o respeito da vida humana nascente e a dignidade da procriação”, de 22 de fevereiro de 1987, da mesma Congregação para a Doutrina da Fé. Nessa mesma linha, o documento expõe o tema “no centro da reflexão ética sobre a investigação biomédica, que tem uma importância cada vez maior no mundo de hoje” (1), tendo sempre presentes “os aspectos científicos, servindo-se, na análise, da Pontifícia Academia para a Vida e de um grande número de peritos, para os confrontar com os princípios da antropologia cristã” (2).

Dividido em três partes, o documento discorre, primeiramente, sobre alguns aspectos antropológicos, teológicos e éticos de grande importância nesse estudo. Depois, ele aborda os novos problemas em matéria de procriação e, por fim, examina “algumas novas propostas terapêuticas que comportam a manipulação do embrião ou do patrimônio genético humano”.

Observe-se, contudo, que, ao contrário do que alguns comentários afoitos já andam suscitando, a Congregação para a Doutrina da Fé trata do caso com muita precisão e, acima de tudo, caridade. Aí está a diferença que distingue o precioso estudo de tantos tratados que se atiram no vazio pela falta de uma ação sobrenatural – como acontece com tudo o que não se permite infundir-se pela graça do Espírito Santo. Assim, a providencial Instrução se transforma numa segura orientação para tantos que se vêem tentados às várias possibilidades que as ciências biológicas apresentam, em decorrência dos avanços tecnológicos a mancheias.

As linhas da “Dignitas personæ” são claras, baseando-se no respeito ao ser humano, desde a concepção, e o respeito à transmissão da vida por meio do matrimônio. É a partir desses dois pilares que a Santa Igreja vai discorrendo amplamente a respeito das questões éticas concernentes à vida humana, sob o ponto de vista cristão. E assim, refutam-se as novidades perniciosas, tanto nas ciências, quanto no comportamento do homem, que vão surgindo com uma espécie de transmutação social e até de caráter, muitas vezes, infelizmente, com a aquiescência do poder constituído, por força de lei.

Ao longo do documento, identificamos problemas hodiernos, como a concepção in vitro, as células-tronco embrionárias, clonagem, eutanásia, aborto, entre outros. Todavia, não é uma censura apenas. A Instrução vai mais além e ressalta a importância de muitos avanços científicos, como, a título de oportuna ilustração, o êxito obtido com a utilização de células-tronco adultas, inclusive incentiva pela Igreja.

Pedimos, portanto, a todos que buscam orientar-se à luz do Magistério da Igreja, especialmente aos dedicados médicos, biólogos e pesquisadores dessas áreas, que não recebam esse documento – bem como nada que provenha da Cátedra de Pedro – com restrições. Ao contrário, estejam atentos à voz que ressoa desde a Colina Vaticana. Assim, todos estarão se empenhando na divulgação de uma nova cultura da vida e “saberão compreender e aceitar estes princípios e avaliações, destinados à tutela da frágil condição do ser humano nas suas fases iniciais de vida e à promoção de uma civilização mais humana” (37).

Aproximando-nos da celebração do Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo, na contemplação do Divino Infante, depositado no presépio de Belém, veneremos tantos inocentes à mercê de pesquisas meramente especulativas, desprotegidos, e peçamos a sua proteção. Que a Virgem Santíssima, adorando seu amado filho na manjedoura, vele por aqueles que estão desamparados e seja a Estrela a guiar as inteligências daqueles que, confiantes na graça divina, se dedicam aos estudos científicos e biológicos, respeitando a dignidade da pessoa humana.



 
 
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