Na Era da informática, recebemos por via da Internet, centenas de e.mails, de mensagens eletrônicas, que trazem textos e imagens, muitas vezes, de uma beleza e riqueza incomensurável.
Nesta semana, recebi, com a sua história, a reprodução da pintura de Albrecht Durer: “As mãos”. Retratam as mãos postas em oração. Mãos tortas e calejadas, de pele ressecada, mas apontando para o céu, em atitude de súplica.
Chegamos ao fim do ano litúrgico quando a Igreja nos apresenta à meditação o destino da Humanidade que se encontrará com o Cristo, que virá na sua glória a julgar os vivos e os mortos, como proclamamos em nossa fé.
E nosso julgamento será feito à medida que tivermos refletido em nossa vida o amor de Deus no amor aos irmãos. O texto do Evangelista, São Mateus, é preciso (Mat. 25, 31-45). A partir de como tratamos nossos irmãos, será o julgamento.
Na doutrina tradicional da Igreja, e aqui lembramo-nos do velho catecismo que aprendíamos na infância, sempre se pregou e insistiu nas obras de misericórdia. As atitudes que nascem de um coração que se abre, como o divino, diante do irmão.
Dar de comer a quem tem fome. Dar de beber a quem tem sede. Vestir os nus. Visitar os enfermos e presos. Acolher os forasteiros. Decorávamos, e isso permanecia em nossa consciência.
Desde o começo do cristianismo, a Igreja se empenhou na realização concreta destas obras. Muitos séculos antes da política social dos Estados e das filantropias que antes de expressarem o amor, procuram tirar de suas vistas a miséria humana, estava presente a ação da Igreja e de seus filhos.
Os hospitais dos indigentes, as santas casas, o acolhimento dos peregrinos. Apenas um exemplo que ressalta aos nossos olhos, quando Vicente de Paulo se fez cativo nas galeras, para libertar os escravos que com a força de seus braços as movimentavam.
São atitudes concretas pelas quais, na contingência desta terra, exercitamos o grande mandamento do Senhor: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”(Jo.15,12). Reparemos que a medida que Jesus quer de nós no amor ao próximo, não é o amor a nós mesmos, senão aquele amor que entregou sua vida por nós.
Deus nos dá o tempo para caminhar na via da redenção. Dá-nos também sua graça, como um combustível que aciona os motores e as turbinas das aeronaves e as levantam das pistas rumo as alturas. Mas, temos em nós a semente do pecado, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos, a soberba da vida (1Jo. 2,16) que nos atraem, como a força da gravidade e contra as quais temos de lutar constantemente.
Na seqüência que se lê na liturgia dos mortos, onde se expõe, quase teatralmente a cena do julgamento final, e que Mozart transferiu para os acordes de seu “Dies irae” há duas estrofes que bem expressam os sentimentos que acompanham a meditação do fim dos tempos. Depois de descrever o triunfo e a glória de Cristo que aparecerá nos céus com o seu sinal, “O Rei no trono se assentará e o que estava oculto será patente, nada ficará impune”, e separará os bons dos maus, há uma oração suplicante:“Rei de infinita majestade, que gratuitamente nos salvais, salvai-me por piedade”. E continua contritamente pedindo para Jesus tomar conta do nosso fim.
E que têm a ver com essa reflexão as “Mãos” orantes de Durer? Sua história nada mais é do que a história do amor, da entrega de alguém pelo irmão.
Para que Albrecht se formasse, seu irmão se enfiou na minas de carvão. Deformou suas mãos. E quando este voltou formado, vendo aquelas mãos, compreendeu a força do amor, do devotamento ao próximo. E retratou, com gratidão o que vira e que, muito mais do que a materialidade da visão, estavam dirigidas na prece da caridade e do amor. Como uma bússola estavam voltadas para Deus.
Os primeiros cristãos aguardavam ansiosos a parusia, a vinda do Senhor Jesus. Paulo, na sua Carta aos Tessalonicenses, lhes explica que não sabemos nem o dia nem a hora e que, com seu trabalho e vida de ressuscitados, se esforçassem na construção da nova terra e novo céu, pelo qual, como escreverá mais tarde aos Romanos (Rom. 8,18-24) esperavam todas as criaturas.
Temos, pela fé, a certeza desta esperança “na esperança fomos salvos” (Rom 8,24) e, enquanto a aguardamos, unamos nossas mãos no exercício da caridade e na oração confiante. “Vem Senhor Jesus” (Apoc.22,20)
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