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A santidade
Por: DOM EURICO DOS SANTOS VELOSO
ARCEBISPO EMÉRITO DE JUIZ DE FORA, MG.
 
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Já batemos às portas do fim do ano. A liturgia, depois de nos alimentar durante o Tempo Comum com a doutrina da salvação, percorrendo a Sagrada Escritura com os ensinamentos evangélicos, nos traz a memória daqueles que já trilharam o caminho e gozam da visão divina ou ainda aguardam, à porta, que seja sacudida a poeira das imperfeições da caridade que se lhes depositou nas sandálias, como o viajante que limpa os pés nos capachos, antes de entrar na mansão iluminada.

A festa de Todos os Santos e a comemoração dos Fiéis Defuntos antecedem, no fim do Ano Eclesiástico, a celebração da nossa fé e nossa esperança na vitória de Cristo quando iremos ao seu encontro na glória.

A estrada por eles percorrida foi a ensinada por Jesus à multidão que o seguia na Galiléia, nas montanhas e nas planícies, à beira do lago. São Mateus (Mat.5) nos relata que vendo Jesus a multidão, subiu a um monte, sentou-se e seus discípulos se aproximaram dele. “E abrindo sua boca, ensinava”, porque do seu próprio coração fluíam as palavras, como diz Santo Agostinho. No passado, Deus falava pela boca dos profetas, agora nos fala pelo seu próprio Filho, esplendor de sua glória e imagem do seu ser. (Heb.1, 1).

O mesmo Evangelista Mateus escreve, em outra parte, no sermão das parábolas, que Jesus falava à multidões por  parábolas e por meio delas publicava o que estava oculto desde a fundação do mundo (Mat.13, 34-35). Não aqui, quando anuncia o caminho de uma vida de santidade. Vai direto à exposição como também quando nos preceitua o mandamento do amor.

E o que diz: “Felizes os pobres em espírito porque deles é o Reino dos Céus.” A pobreza não é uma bem-aventurança. O espírito de pobreza, sim.

Santo Agostinho faz o contraste. Quando lemos o texto, entendemos que se trata do desejo desmesurado das coisas temporais; tudo é veleidade e presunção de espírito. Os pobres de que fala o Evangelho são os humildes e tementes a Deus e que não têm o seu coração inchado pelas vaidades, pela avareza e pela soberba.

A riqueza é o meio de nos instalarmos, poderia dizer  com mais realismo, de nos agarrarmos na terra, de fazermos aqui a nossa morada definitiva.

A pobreza de espírito não é, pois, só aquilo que se pensa de início. Ela vai além dos bens exteriores. É a abdicação de si mesmo, o desapego total de tudo o que nos prende, não nos permitindo alçar vôo para a eternidade, para as coisas que não passam. Para o definitivo. A nossa conversação, desde agora, ensina-nos o Apóstolo é no céu.

Assim livres em espírito das cadeias que nos prendem à contingência desta vida, viveremos a alegria das demais bem-aventuranças. O consolo nos sofrimentos que os uniremos à cruz de Jesus; a promoção da paz e da justiça; a misericórdia do Reino e a firmeza da fé porque nosso coração, na sua simplicidade, tem a pureza dos vêem a Deus: “Felizes os de coração puro, porque verão a Deus

A pobreza, nem mesmo a pobreza de espírito é última palavra do Sermão da Montanha. “A última palavra, diz Sertillanges é o amor; mas a pobreza de espírito é a primeira, porque o apego às riquezas e ao que representam é o grande inimigo do amor

Este foi o caminho dos santos. Viveram a fé que receberam no batismo. Fizeram-na frutificar na caridade, no amor de Deus e dos irmãos e buscaram na vivência das bem-aventuranças a liberdade espiritual de uma total entrega de si ao Pai, como Cristo. Ele não suportou a miséria, conseqüência do pecado e no seu desapego, inclusive de sua vontade e abandono nas mãos do Pai, obteve-nos a felicidade e a paz.

Na visão do Apocalipse,(Ap.7,9-10) João, a testemunha fiel, apresenta-os naquela multidão que ninguém podia contar, de todas as nações, povos ou línguas, que estavam diante do Cordeiro e o aclamavam.

São os santos de Deus, a que nos juntamos, se nos abrirmos inteiramente ao amor do próximo e de Deus e se procurarmos viver o caminho real das bem-aventuranças.



 
 
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