Colunas
 
Ofereço-vos, ó meu Deus!
Por: DOM EURICO DOS SANTOS VELOSO
ARCEBISPO EMÉRITO DE JUIZ DE FORA, MG.
 
Leia os outros artigos
 

O Santo Padre Bento XVI, em sua última encíclica “Spe salvi”, fala sobre o sofrimento que nos desenvolve e fortalece a esperança em Deus. Impelidos pelos deveres de justiça e de caridade cristã entregamo-nos à comiseração e sempre buscamos, de alguma forma, amenizar o sofrimento daqueles que o padecem, seja pela fragilidade, seja pelas circunstâncias que essa provação os visita. “São deveres tanto da justiça como da caridade, que se inserem nas exigências fundamentais da existência cristã e de cada vida verdadeiramente humana”, nos fala o Papa (Spe Salvi nº 36).

Existe hoje, no entanto, uma cultura de pavor ao sofrimento e, conseqüentemente, à morte. Ora, o sofrer não significa o fim, assim como a morte também não o é.

O sofrimento pode ser, nesta vida, um instante de revigoramento, tendo suportado com a resignação que é uma preciosa conduta do bom cristão, confiante nos desígnios de Deus. Da mesma forma como o sofrimento deve ser uma passagem de estágio na vida, seja pela dor física, seja pela dor moral, ou até mesmo pela dor espiritual, para uma vivência mais saudável no espírito, a morte será essa passagem para a plenitude da vida, a eternidade.

As pessoas, por muito pouco, abatem-se hoje; na maioria das vezes, essa dor é decorrente de uma frustração, de um golpe que lhe toca o amor-próprio. A dor que se sente, na verdade, é porque sente-se ferido em sua vaidade, desacatado em seus caprichos, incomodado em sua cômoda soberba. Tanto se sente fragilizado ao menor toque à sua intimidade que se sente com o maior problema do mundo, o mais frágil enfermo, a vítima injustiçada pela sua natureza e por Deus, quando se desatina em blasfêmias.

Bastaria lançar o olhar à sua volta e veria quanto sofrimento existe, muito maiores, recolhidos na vivência conforme a vontade de Nosso Senhor. Esses sofredores autênticos podem estar dentro de nossa casa, em nossa roda de amigos, na comunidade paroquial a que freqüentamos. De forma mais nítida, nos hospitais, nos presídios, nas favelas, ou nas sarjetas. Em cada um deles, o reflexo do sofrimento do Cristo ultrajado por corações insensíveis, por uma sociedade que vai se regendo por um neo-paganismo, por nossas atitudes mesquinhas e indiferentes ante a realidade em que vivemos.

Ainda em sua preciosa “Spe Salvi”, Bento XVI resgata um piedoso costume cristão, quase desconhecido pela presente geração. Eis que ele nos diz: “Fazia parte duma forma de devoção – talvez menos praticada hoje, mas não vai ainda há muito tempo que era bastante difundida – a idéia de poder ‘oferecer’ as pequenas canseiras da vida quotidiana, que nos ferem com freqüência como alfinetadas mais ou menos incômodas, dando-lhes assim um sentido. (...) O que significa ‘oferecer’? Estas pessoas estavam convencidas de poderem inserir no grande compadecer de Cristo as suas pequenas canseiras, que entravam assim, de algum modo, a fazer parte do tesouro de compaixão de que o gênero humano necessita. Deste modo, também as mesmas pequenas moléstias do dia-a-dia poderiam adquirir um sentido e contribuir para a economia do bem, do amor entre os homens” (op. cit. Nº 40).

Estou preso no leito de enfermidade, convalescente, com a graça de Deus. Essa situação temporária, no entanto, possibilitou-me entregar-me mais a Nosso Senhor, unindo meu sofrimento físico ao sofrimento divino dEle.

A dor humana que sinto, talvez seja pelas chagas que, de alguma forma, reavivei no Coração amado de Jesus; indeliberadamente no coração da Igreja; sem nenhuma intenção no coração de meu presbitério. Não que o tenha feito por mal, menos ainda por cobardia, mas pelas minhas limitações e fragilidades.

E a graça que o Divino Mestre concede-me neste instante é a de, nesta provação, reafirmar com a mesma decisão que respondi ao chamado ao sacerdócio e à Mãe Igreja ao episcopado, assim como o Príncipe dos Apóstolos, quando argüido por Nosso Senhor: “Senhor, tu sabes tudo. Tu sabes que te amo.” (Jo 21,17).

Por este amor imensurável e sincero, abrasado pela graça do Espírito Santo e alimentado pela Sagrada Eucaristia, disponho-me a oferecer este sofrimento físico ao Santíssimo Redentor, aplicando os méritos que Ele se dignar desta dor aproveitar, pela santificação do clero, especialmente de nossa cara Arquidiocese de Juiz de Fora, para que sempre mais busque viver unido na fé e no sacerdócio – “fratres in unum” -, e de todos aqueles fiéis católicos que constituem nosso rebanho. Rezemos juntos, enquanto me entrego à vontade de Deus e ofereço-me inteiramente nestas intenções.

Rezem por mim, pela minha resignação e pela minha perseverança na disposição para dedicar-me sempre mais para a salvação das almas que me foram confiadas. Rezem para que eu saiba unir-me, mais e mais, ao sofrimento de Cristo e, com Ele, entregar-me pelo bem de nossos irmãos e irmãs que se norteiam ao sinal de meu báculo arquiepiscopal.

Rezemos juntos!



 
 
xm732