É tempo de lançar a semente |
Por: DOM EURICO DOS SANTOS VELOSO
ARCEBISPO EMÉRITO DE JUIZ DE FORA, MG. |
|
Leia os outros artigos |
|
Quando se anda pelo interior e se percorre a região rural, vê-se, nestes dias em que o inverno nos deixa e as primeiras chuvas e o calor do sol retornam, uma faina intensa.
A primavera chega e, apesar de não a sentirmos intensamente nos trópicos como é visível nas regiões temperadas, há um reinício da vida, tudo recomeça e a esperança domina.
Os pastos secos recobrem-se de verde, os jardins começam a florir e a natureza festeja no canto dos pássaros e na algazarra dos animais.
Na liturgia antiga, antes de cada estação do ano, havia três dias de penitência e oração suplicando as bênçãos do Senhor sobre a terra e seus frutos. Eram as chamadas “Têmporas”, com procissões nas roças e canto da ladainha dos santos a invocar sua proteção.
Hoje, numa civilização já pós-industrial, em que a eletrônica e seus avanços superam a observação da natureza e a ciência cria novas condições de produção, perde-se muito do encanto e da poesia do contato do homem com a natureza.
Mas isso não significa que podemos prescindir desses valores e nos entregar à supremacia da técnica em nossa vida. Se assim deixarmos acontecer, vamos perder nossa condição humana e sermos dominados pela máquina.
É a ditadura da técnica tão bem mostrada por Charles Chaplin no filme “Tempos modernos”, na loucura a que somos conduzidos. Se a mecânica já nos tornava autômatos, que dizer dos avanços da eletrônica. Os telefones celulares que nos chamam a todo instante independente do lugar e da hora. O computador que nos põe à corrente do que sucede em outras partes do mundo, quase no mesmo momento, obrigando-nos a trabalhar dia e noite.
Pressionados chegamos a nos esquecer de nós mesmos. Não temos tempo para nada e os prazeres da vida não são vividos como pessoas, mas apenas como descargas emocionais de instantes. As emoções têm de ser produzidas por drogas e alucígenos. O amor se reduz a sexo. Não dispomos de tempo para nos encantar com a beleza, como o turista que diante de Davi, de Miguel Ângelo, em Florença, se limita a assinar com uma cruz na caderneta de viagem que já o viu. Não sentiu a emoção que o belo produz na alma de quem o aprecia.
O início do ciclo das estações do ano deve fazer-nos repensar um pouco nossa vida. “Há um momento para tudo e um tempo para todo o propósito debaixo do céu” (cf. Ecle. 3.1). É sabedoria bem saber utilizar o tempo e viver, como ensina este Livro da Bíblia, para não vermos tudo transformado em vaidade.
Temos obrigação de estimular o progresso. Quando fomos criados recebemos de Deus o Universo para desenvolvê-lo para que, subordinado ao Homem e à Mulher, nos servisse.
Toda a riqueza da ciência e da técnica moderna tem de estar a serviço do Homem. Se nos subordinamos ao seu domínio é “vaidade” e que se desfaz, em última análise, com a morte, como ensina o mencionado Livro.
O Evangelho nos diz que acima das riquezas e preocupações está a nossa vida. “Olhai os lírios do campo e as aves do céu”. Não lhes falta a roupa nem o alimento. Não que devamos nos alienar de tudo e aguardar. São Paulo fala aos Tessalonicenses que aquele que não trabalha, também não coma. O que nos ensina a parábola é a busca da liberdade e que a vida está acima de tudo.
Vejamos a incidência de stress nos dias de hoje, a procura de psicanalistas e psiquiatras, a ocorrência de doenças derivadas do trabalho e do seu ambiente que obrigam ao uso dos equipamentos de proteção e a exames constantes e nos deixam muitas vezes, ao longo de poucos anos, com problemas irreversíveis de saúde.
É tempo de semear. Lançar a semente da alegria nos trabalhos de cada dia, superando com fé e confiança as preocupações. Não as deixemos acumular. Cada dia tem sua pena, diz o Evangelho de São Mateus. Trabalhemos e vivamos intensamente. Aproveitemos tudo de bom que hoje nos é disponibilizado, mas não percamos a serenidade de espírito.
Sobretudo não percamos a fé e a esperança Naquele que é o princípio de tudo e para quem caminhamos na trilha de seu Filho em quem se realizam todas as coisas.
|