Em defesa do ENSINO RELIGIOSO ESCOLAR |
Por: DOM EURICO DOS SANTOS VELOSO
ARCEBISPO EMÉRITO DE JUIZ DE FORA, MG. |
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Li o que foi publicado na Revista Época pelas jornalistas Ana ARANHA E Martha Mendonça, na edição nº. 537, de 1º. De setembro de 2008, abordando a temática do ENSINO RELIGIOSO NAS ESCOLAS PÚBLICAS.
Fui professor da referida disciplina durante mais de 20 anos. Estou como presidente da diretoria do CONER/MG (Conselho de Ensino Religioso do Estado de Minas Gerais), com 12 Denominações Associadas. Faço parte da COMCER/SEE (Comissão Central de Ensino Religioso). Portanto, não sou um teórico, mas vivo no meu dia-a-dia, a temática do Ensino Religioso Escolar.
Não respondo ao que foi publicado. Quero contribuir com outros aspectos complementares que julgo muito importantes. Repito aqui alguma coisa já publicada no primeiro semestre deste ano sobre a referida disciplina escolar, com alguns dados a serem refletidos e também com alguns esclarecimentos em favor da verdade do que seja o Ensino Religioso Escolar.
No meio de muitas afirmações, aqui e acolá, de verdades, de suposições, de equívocos, de mal entendido, de preconceitos, de pontos de vista teóricos, de alguns testemunhos que não convém generaliza-los, num contexto de um país continental, antes de qualquer afirmação absolutista dever-se-ia aprofundar o que se entende por Ensino Religioso Escolar, Ensino de Religião e de Catequese.
Percebe-se, então, que nesse Brasil, país continental, ainda falta formação e informação, envolvendo a todos os setores da Sociedade, da própria Igreja, das Denominações Religiosas, das instâncias governamentais, sobre o assunto em questão. Poderíamos dizer que falta muita formação dos próprios professores de E.R.E. e a sua autêntica e competente formação é fundamental.
As lideranças sem formação e informação sobre o assunto, sobre o que seja o Ensino Religioso, têm emperrado até mesmo o andamento de tudo o que já se conseguiu às duras penas ou até trazendo novas dificuldades. Trata-se de um problema sócio-político – cultural e não somente pedagógico e religioso.
Refletir sobre a problemática desse ensino hoje, na condição de disciplina, absorvida e ampliada pela Educação Religiosa como área de conhecimento, sem constatar os elementos que construíram o imaginário coletivo da sociedade brasileira sobre a questão em pauta, corre-se o risco de conferir a esse componente curricular um tratamento inadequado, ou apresentar novas propostas que não levam em consideração a reflexão e esforços feitos nesses últimos vinte anos em busca de solução para uma problemática centenária, seja na intenção de garantir a sua permanência no currículo, seja pretender a sua exclusão do sistema escolar.
A Lei nº. 9475, de 22/07/1997, dando nova redação ao artigo 33, da Lei nº. 9394, de 20/12/1996, sancionada pelo Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, deu novos rumos a essa disciplina escolar, estabelecendo as diretrizes e bases da educação nacional.
– Pela nova Lei, o Ensino Religioso não teve como objetivo o ensino de uma determinada religião. Passa a ter como preocupação todos os assuntos de religião ou relacionados à vida de um ser humano, principalmente do interesse dos educandos que freqüentam a escola, sejam eles religiosos ou não, ou que estejam dentro ou fora da religião, de uma religião ou de religiões, incluindo a compreensão do fenômeno religioso e a religiosidade que nessas estão implícitos. Tais educandos necessitam obter respostas aos seus questionamentos existenciais mais profundos, principalmente vinculados às suas crenças e às crenças dos demais.
Através de conteúdos próprios e de metodologia adequada, o Ensino Religioso visa proporcionar ao educando o conhecimento dos elementos básicos que o auxiliem na busca de compreensão das razões de ser religioso e das próprias religiões, para que o respeito mútuo e a tolerância religiosa se efetivem nas relações de saber, de crer e de poder. Como área de conhecimento, obviamente, precisa manter um contínuo diálogo com as demais áreas para as quais é um suporte e das quais recebe contribuições para a compreensão da vida como um todo, sem faltar a dimensão religiosa ou deixando de lado as demais dimensões específicas de outras características humanas explicadas pela Antropologia, Sociologia, Teologia, Filosofia, Psicologia, Lingüística e demais áreas de conhecimento com seu objeto próprio. Este Ensino Religioso, assim entendido e bem compreendido, tem conteúdos e uma metodologia própria que proporcionam uma educação completa, humanizadora, personalizadora e transformadora da realidade de um mundo cada vez mais carente de respeito, de senso crítico, de tolerância, de interesse pelas questões que encaminhem o sujeito em fase de preparação para a vida, na recuperação e promoção do ser humano em sua dignidade, como sujeito e agente da própria história, portador de conhecimento religioso e apto a vivenciar os valores propostos pelas religiões, sem discriminar seus semelhantes por motivo de crença.
– Esse constitui um caminho proposto, durante duas décadas, ou seja, nesses últimos anos, mas que necessita de Professores formados, capazes de levar para a prática esse propósito. Apesar de não aceito por algumas poucas autoridades religiosas, no entanto possibilita ao ser humano o exercício da cidadania e a vivência comunitária em sua natural busca de valores transcendentais, proporcionando o despertar para a compreensão e vivência dos argumentos pregados pela própria religião confessional.
– Enquanto não se tiver uma clareza objetiva, sem preconceitos, do que seja o Ensino Religioso, diferente do Ensino de Religião, considerando um Estado Republicano e o gerenciamento de uma Escola pública, torna-se difícil qualquer consenso, pois muitos o identificam como se estivéssemos em um regime de Cristandade, por falta de conhecimento ou porque não sabem o que é próprio do Ensino Religioso Escolar e a sua especificidade que passa pela metodologia, sem excluir nenhum conteúdo de Religião, Religiões, Cristianismo e outras denominações. Não basta usar o nome: “ensino religioso”, colocando o seu conteúdo confessional ou de religião. O importante é a formação adequada dos Educadores para o exercício do magistério na área, com habilidades e competências para o que se pretende. E isso deve ser levado a sério pelos órgãos educacionais brasileiros, fato que não tem acontecido devidamente.
A atual legislação garante seu espaço no ambiente escolar, o que passa a exigir a sua compreensão como disciplina e ampliação do seu nível de abrangência como área de conhecimento, nos termos da Resolução CNE/CEB nº. 02/98. Assumido em sua identidade, o Ensino Religioso se constitui, particularmente para a escola pública, oficial, um campo de grande importância para a formação humanística dos educandos, a formação dos grandes valores humanos, como base para a evangelização, para a catequese e para a pastoral.
– Desde 1969, na teoria e na prática, embora exista muita desinformação, confunde-se um Ensino Religioso na Escola (ERE) que não visa ensinar uma religião, tarefa das respectivas comunidades de fé; nem se limita a ensinar um ecumenismo seletivo, que só considera determinadas Igrejas ou Religiões. O Ensino Religioso Escolar que é proposto, às vezes, ainda com incoerências de quem não o entendeu e nem o compreendeu, não visa ensinar religião e sim “educar a religiosidade entendida como disponibilidade dinâmica da pessoa ao sentido fundamental de sua existência, encarado como compromisso na sociedade. E essa disponibilidade não é monopólio de uma ou mais entidades religiosas.”
Em nossa sociedade pluralista, principalmente para as Escolas Públicas, Oficiais, o modelo de um ensino, em condições de um ecumenismo seletivo, confessional ou interconfessional, ou mesmo “pluriconfessional,” se torna insuficiente e pode até revelar-se descabido. Atreveria até a dizer, a longo prazo, que tal “ensino religioso, dado por lei”, não serviria nem ao aluno, nem à Igreja e nem ao Estado. Poder-se-ia até tornar-se anti-educativo, debilitando a Igreja na sua capacidade de agir na sua missão de fomentar o diálogo religioso entre os povos, entre os cidadãos, tornando-a alvo de suspeitas odiosas e contraproducentes, orientadas para a intolerância religiosa. A Escola não pretende transmitir crenças ou apenas valores. Através de conhecimentos e atitudes, educa os alunos à “religiosidade”; ajuda-os a perceberem nas religiões, e mesmo fora delas, o que dá sentido último à vida e motiva o compromisso para a construção da nova sociedade; a construírem, aos poucos, quadros de referência para os seus ideais de vida na atual selva de ofertas, para saberem discernir, recusando o que não constrói personalidade e sociedade sadias; a saberem dialogar, criando convicções próprias e respeitando as dos outros.
Daí, a necessidade de maior e urgente, formação humana e competência profissional de todos aqueles e aquelas que irão exercer a função de Professores de ER.
Hoje, costuma-se invocar muito a condição do Estado como portador da natureza laica. E que sendo laico não deve ou não pode admitir o ER em suas Escolas. O nosso Estado é laico, mas não é ateu. Não é laicista. Pelo contrário, o Estado Laico, é DEMOCRÁTICO, não é ateu e não só deve tolerar, mas possibilitar, incentivar e promover a diversidade cultural dos grupos de pessoas que o compõem, sobre o pressuposto de ação comunicativa ou do diálogo. Este incentivo se relaciona também com a convicção religiosa e com as manifestações dessa convicção. O Estado deve promover e respeitar a diversidade, os grupos que o compõem. O respeito à diversidade conduz à defesa da liberdade, enquanto nada se impõe contrário à convicção de pessoas e de grupos. Assim protege e garante a liberdade religiosa dos cidadãos.
A promoção da diversidade conduz igualmente à liberdade, enquanto se possibilitam as variadas expressões de culturas e subculturas sociais. Não se trata nem de combate e nem de tolerância do religioso, seja “religioso como substantivo, seja como adjetivo”, mas a abertura à pluralidade religiosa, a abertura à pluralidade cultural de grupos e pessoas que compõem o Estado.
O Ensino Religioso que se propõe em nossas Escolas, envolve, sim, conhecimento e posturas que incluem cognições, atitudes, afetividade e predisposições para a ação, mas não é a prática de uma religião na escola, lugar da convivência com o diferente e as diferenças. O culto, a prática a celebração ficam por conta das Comunidades de Fé.
Pelo Ensino Religioso o Estado promove sim, as culturas religiosas das pessoas e dos grupos em função dos quais ele existe. Isso justifica a oferta obrigatória do ensino religioso escolar, embora facultativo para o aluno e sua supervisão por parte do Ministério e das Secretarias de Educação e a remuneração dos professores pelo mesmo Estado.
É bom lembrar que a instrução não é toda a educação. Educação inclui conhecimento, cultivo dos sentimentos, padrões de valor, relações sociais sadias.
O que se espera das escolas inclui os conhecimentos a serem transformados em saber escolar, em educação para a cidadania; espera-se também do ensino religioso uma autêntica e verdadeira educação religiosa que abrange toda a vida, além da escola.
Se cabe ao Estado ensejar e promover culturas religiosas das pessoas e dos grupos, em função dos quais ele existe, incluindo-se nessas culturas o laicismo, o agnosticismo e o ateísmo, não vejo obstáculo algum na forma de ensejar e promover as expressões religiosas, o ENSINO RELIGIOSO ESCOLAR, como área de conhecimento, formando atitudes, habilidades e competências para a vida em uma sociedade pluralista e multicultural em que as religiões ofereçam elementos fundamentais.
Podemos concluir dizendo que:
1º) – O Ensino Religioso vem acontecendo normalmente nas escolas oficiais brasileiras, mesmo com algumas divergências por não haver ainda um consenso quanto ao conteúdo básico desta disciplina, uma vez que é delegada a cadasistema a sua organização e adequação às necessidades locais. Isto se deve a uma insuficiente compreensão filosófica e pedagógica quanto a sua natureza. Epistemologia e linguagem adequada são fundamento s essenciais para a compreensão do que se pretende da parte de muitos setores da sociedade, que ainda concebem, equivocadamente, a disciplina como “aula de religião” ou “doutrinação”, mesmo que façamos parte de um país continental com diferenças regionais, de naturezas diversificadas.
2º) – Esta área do conhecimento vem se esforçando para desempenhar o seu papel regularmente dentro do currículo escolar, semelhante às outras áreas, nos horários normais dos estabelecimentos escolares de Ensino Fundamental, sendo vedadas quaisquer formas de proselitismo.
3º) – Persiste a ausência de Cursos de Formação de Professores. Em algumas regiões, ainda há dificuldades a serem superadas quanto à formação de profissionais para a docência do Ensino Religioso, de forma, pedagogicamente, adequada ao que se propõe na legislação vigente e segundo a reflexão de muitos pesquisadores, educadores e setores educacionais que se organizaram, durante décadas, para uma reflexão séria e necessária sobre o que se entende por Ensino Religioso, disciplina absorvida e ampliada pela Educação Religiosa, como área de conhecimento, distinguindo-a dos ensinos ministrados nas Comunidades de Fé.
4º) – O Ensino Religioso, especificamente, visa à formação integral dos cidadãos e das cidadãs que freqüentam a escola, para aí receberem os conhecimentos de que necessitam em todas as áreas, incluindo as relacionadas às indagações do sujeito religioso ou não, dentro ou fora do grupo religioso, ou de instituição religiosa. Tais conhecimentos referentes às explicações sobre o sentido da vida, que incluem os conteúdos vinculados ou explicados pelas religiões e suas manifestações diversificadas, são transformados em saber escolar. E mais, a finalidade é capacitar os educandos para compreenderem o que fazer com este saber no seu cotidiano, presente e futuro, principalmente no que se refere ao respeito mútuo, à tolerância para com o diferente e às diversas formas de crer e de não crer, ou de ser indiferente, ou declaradamente ateu, para que a vida cidadã se concretize nas relações sociais, tendo a Religião ou Religiões como parte integrante de tais relações. Essa disponibilidade do Ensino Religioso oferecida pela escola não é monopólio de uma ou outra entidade religiosa. É direito do cidadão e da cidadã, estejam estes na condição de pessoas crentes, atéias ou indiferentes.
5º) – Enfim, reconhecer que há diferenciações quanto à compreensão do Ensino Religioso no Brasil é normal e natural, pois existem regiões culturais diferentes e regionalismos que devem ser respeitados. Trata-se da riqueza de uma pluralidade que não pode nem tem condições de ser uniformizada.
Completamos onze anos de vigência da Lei nº. 9475/1997, sem ter sido ainda regulamentada e implantada devidamente, principalmente a partir de Diretrizes Nacionais que não foram alvo de interesse do Ministério da Educação, mas que têm sido trabalhadas por Grupos de Educadores interessados em encontrar a melhor maneira de formar os Professores, através de Cursos em nível Superior.
A formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, Curso de Licenciatura, de Graduação Plena, é orientada pelas Diretrizes Curriculares Nacionais nos termos da RESOLUÇÃO CNE/CP nº. 01, de 18 de fevereiro de 2002 e outras normas posteriores exigidas pela reforma de Ensino Superior no Brasil.
Considerando a necessidade de uma formação completa dos profissionais da Educação que optam pela docência no Ensino Religioso, de forma a receberem o mesmo tratamento concedido aos profissionais das demais áreas, é que se propõe a formação de Professores de Ensino Religioso, em nível Superior, Curso de Licenciatura, de Graduação Plena.
Aos que são contra o Ensino Religioso Escolar, na concepção que o colocamos, afirmo: É preciso manifestar, na educação, os melhores valores dos jovens, seu espírito religioso e lhes ensinar os caminhos para superar a violência, aproximar-se da felicidade, ajudá-los a levar uma vida sóbria e a adquirir as atitudes, virtudes e costumes que tornariam estável o lar que venham estabelecer e que os converteria em construtores solidários da paz e do futuro da sociedade.
A escola é chamada a transformar-se, antes de mais nada, em lugar privilegiado de formação e promoção integral, mediante assimilação sistemática e crítica da cultura, confrontando e inserindo valores perenes no contexto atual. Na escola, enquanto instituição educativa compete destacar a dimensão ética e religiosa da cultura. Assim, a educação deve humanizar e personalizar o ser humano para que ele humanize o seu mundo, produza cultura, transforme e construa a história.
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