A Espiritualidade Paulina |
Por: DOM EURICO DOS SANTOS VELOSO
ARCEBISPO EMÉRITO DE JUIZ DE FORA, MG. |
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Há poucas semanas, em três artigos, discorremos sobre o Ano Paulino, cuja celebração foi instituída pelo Santo Padre Bento XVI, e a respeito das Indulgências concedidas para esta comemoração que se encerrará no dia 29 de junho de 2009. Agora, como um corolário dessa abordagem, sentimos a necessidade de indicar aos caros fiéis de nossa Arquidiocese de Juiz de Fora alguns caminhos na via espiritual, baseando-se na obra do Apóstolo das Nações, São Paulo. Aliás, é ele um dos precursores, senão o maior, da espiritualidade cristã, orientando os que o seguiram – papas, santos, doutores, mestres da ascética e mística – até nossos dias.
Tomá-lo como um guia na nossa caminhada de aprofundamento na fé é muito oportuno. Não se pode negar as coincidências do homem do século XXI os de antanho, dos contemporâneos de Paulo, numa análise antropológica cultural. Nota-se claramente que, hoje, vivemos uma era em que um neo-paganismo, impulsionado desde os anos setecentos pela disseminação de um ateísmo racionalista, ou subjetivista, às vezes, gerando uma frieza social fomentada pelos interesses pessoais e, muito pior, institucionais. Na convivência familiar desconhecem-se os próximos; na sociedade, não sabe quem são os vizinhos; nas relações internacionais prevalecem o poderio bélico e os massificados interesses capitalistas, em detrimento da cultura da caridade fraterna, esta bem longe – convém ressaltar – das propostas marxistas que alguns, equivocadamente, tentam correlacioná-las.
Por isso, consideramos oportuna uma meditação sobre a vida e, principalmente, a obra de São Paulo, vislumbrando um afervoramento de nossos fiéis e o seu avanço nas sendas da via espiritual, em busca de uma aproximação com Deus, por meio da oração, para, enfim, gozar da contemplação, como numa antevisão beatífica que nos reserva a eternidade.
Primeiramente, devemos estar abertos à infusão da graça; esta deve ser uma constante disposição de todo cristão. Se para o então Saulo, que ferrenho aos seus princípios, não querendo ver o que era nítido a todos, ou seja, a graça operando nas comunidades cristãs primitivas, não por milagres apenas, mas pela crença de todos de que Jesus for o Messias aguardado pelos seus pais, Nosso Senhor exigiu-lhe a firmeza, o que espera de nós, que temos todos os meios necessários para nossa santificação?
“Quem és tu, Senhor?” (cf. At 9,5), esta foi a inquirição de Saulo. Covardes seremos se fizermos, hoje, esta pergunta àquele que, perene no Sacramento do Altar, faz-se alimento para nosso sustento, assegurando o que já predissera antes da ascensão: “Eis que estarei convosco todos os dias até o fim dos tempos!”(cf. Mt 28,20). Urge, contudo, todos os dias colocarmo-nos diante da presença de Deus, abandonados de tudo, principalmente de nossa própria vontade, do amor próprio e, dispostos sempre à conversão, perguntá-Lo, agora sim, como: “Senhor, que queres que eu faça?” (cf. At 9,6).
Ao longo do Ano Paulino, seria interessante que os fiéis cristãos meditassem, à luz das Cartas de Paulo, sobre a missão de cada um de nós. Nossa vocação à vida cristã traz em si o chamado a sermos missionários, na família, no ambiente de trabalho, na sociedade, na comunidade paroquial que freqüentamos. O cristão deve ser como um santelmo, a conduzir a si e a todos que estão conosco nesta caminhada terrena, crescendo juntos, compartilhando as experiências que tanto nos fortalecem na via espiritual, refletindo em sua conduta.
Na reflexão da missão de Paulo, conheceremos todos os seus passos, desde Jerusalém até Roma, passando por comunidades diversas, de culturas várias, onde lhe sobrevieram todas as sortes, boas e más. Com resignação suportou todas as provações, até o martírio; com humildade reconheceu suas limitações e atribuiu à graça, simplesmente, a exaltação do Cristianismo por sua obra. Também nós, ao longo de nossa caminhada, principalmente quando nos dispusemos à obra de evangelização, deparamo-nos com incompreensões, pessoas oportunistas, às vezes insistimos semear em terrenos áridos, o que acaba trazendo-nos sofrimento, até mesmo pelo amor-próprio. Neste momento, também como Paulo, necessita-se da confiança em Cristo, de sua promessa de que estará conosco até o fim dos tempos, e na participação da Eucaristia renovaremos o ânimo e seguiremos em frente, por amor e dedicação à obra da salvação, por amor de Cristo.
Em tudo, por fim, deverá ornar a caridade. Sem ela, corre-se o risco de colocar tudo a perder. Tertuliano adverte que “é, sobretudo, esta prática da caridade que nos imprime um selo peculiar aos olhos de muitos. Vede como se amam, dizem de nós, já que eles se odeiam mutuamente. E como estão dispostos a morrer uns pelos outros, quando eles estão antes preparados para se matarem uns aos outros” (Apologético, 39).
É nosso desejo, portanto, que os cristãos vivam sempre mais irmanados, a exemplo dos primeiros cristãos. Aquele momento de nossa história, não obstante o contexto de perseguição e de opressão, perpetuou-se como de grande efusão da graça divina, porque todos estavam unidos, como “um só coração e uma só alma” (At 4,32). Confiantes na intercessão terna de Maria Santíssima, imploremos as graças necessárias a Deus Nosso Senhor, para que sejamos missionários na construção do Reino de Deus.
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