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Confiança no Pai
Por: DOM EURICO DOS SANTOS VELOSO
ARCEBISPO EMÉRITO DE JUIZ DE FORA, MG.
 
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Os dias que vivemos são maus. Não é preciso repetir as manchetes da imprensa, os jornais das emissoras de televisão, ou o imediatismo dos computadores para, não só vermos e ouvirmos, mas sentirmos o império do Mal.

Se andamos pelas ruas, tememos ser assaltados, como o menor dos males, porque ronda-nos a morte a qualquer tempo nas balas perdidas ou na insegurança criminosa do trânsito. Nem mesmo em nossas casas há segurança, apesar das grades cada vez mais grossas que nos prendem ou dos eletrônicos que nos vigiam como se nós mesmos fôssemos os criminosos.

Indo mais profundo, percebemos que o sentido da solidariedade que nos unia no vínculo da cidadania, que firmava a consciência de pertença a um povo a uma cidade, a uma pátria onde pudéssemos viver os ideais comuns de crescimento, de trabalho, de tranqüilidade, de bem estar e de paz desapareceram.

Vivemos hoje numa grande corporação, como há dias se expressou um articulista, onde impera soberano e absoluto o lucro, à custa de qualquer outro valor.

Ética, moral, civilidade, lei, respeito, tudo desaparece diante deste Moloc moderno, que sacrifica até vidas de quem quer que seja, crianças, idosos, subdesenvolvidos, pobres, desde que haja ganho para o que lhe oferece o incenso da adoração.

Neste momento em que nos vemos sós e em que em nós mesmos somos tentados a dobrar os joelhos  diante deste ídolo, sacrificando-lhe nossos ideais, mais do que nunca  precisamos colocar nossa confiança em Deus.

Conta-se de São Clemente Maria Hofbauer que, caminhando, certa vez, indo da Áustria à Roma, com seu colega, Pe. Tadeu Hulb, por aquelas estradas e caminhos de então, foi surpreendido pela noite. Havia o perigo de feras e até mesmo de ladrões. Seu colega tremia de medo. Foi quando Clemente, com seu bastão de peregrino, traçou um círculo no chão ao redor deles dois, e disse confiemo-nos no Senhor e nada nos acontecerá. E juntos rezaram o salmo 91: “Aquele que habita na morada de Deus Altíssimo, descansará sob a proteção do Deus do Céu”. Ele confia no poder de Deus que o livrará de todo o perigo e de todo o mal.

Não o rezou como um amuleto, como algo que na crendice afastaria, por própria força, o perigo, como infelizmente ainda há muita gente que acredita que uma figa ou mesmo, outro objeto, ainda que evoque o sagrado, o faria.

Rezou, como devemos rezar, confiados na misericórdia e poder divino, que nos ampara desde o nascer do sol da nossa vida até o ocaso, quando esperamos nos entregar, nutridos pela fé e esperança, nas mãos de Deus. Como o mesmo Senhor Jesus que na sua Paixão e Morte, confiou-se integralmente nas mãos do Pai.

Diante do perigo somos muitas vezes levados até a tentar a Deus na nossa presunção. Lembremo-nos nas tentações de Jesus, no início da sua vida pública, quando o demônio o tentou usando as palavras santas do salmo. Pelas mesmas palavras santas Jesus não acedeu à tentação de presumir-se auto-suficiente nas suas relações com o Pai e afastou o tentador.

Não é nas nossas forças, na presunção de santidade própria que, como o fariseu, pretendemos exigir a proteção divina. É na humildade do publicano que pedia apenas a misericórdia no reconhecimento da sua fraqueza e de seu pecado.

Lança tuas preocupações no Senhor e Ele te sustentará”, rezamos no salmo. Essa confiança de pobres de espírito que é o começo de uma vida de santidade que nos leva à culminância do amor confiante em Cristo e aos irmãos que nos pode dar a paz e nos fazer superar, tranqüilos, as vicissitudes e perigos desta vida.



 
 
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