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Coração do amor divino e humano de Jesus
Por: DOM EURICO DOS SANTOS VELOSO
ARCEBISPO EMÉRITO DE JUIZ DE FORA, MG.
 
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“O quão bom e que felicidade morar neste Coração”, exclama São Boaventura. Lanço minhas preocupações  no Coração de Jesus e Ele me sustenta.

 Vamos celebrar nesta próxima sexta-feira a festa do Sagrado Coração de Jesus. Uma solenidade que, com esta expressão, é relativamente nova na Igreja. Data de mais ou menos quatro séculos, quando São João Eudes obteve licença para celebrá-la liturgicamente. Ganhou dimensão com as aparições a Santa Margarida Maria estendendo-se à Igreja universal no pontificado de Pio IX. Mas, suas origens perdem-se na eternidade, pois é a celebração do amor eterno de Deus que em Cristo se manifestou na sua plenitude no aspecto divino, espiritual e humano.

Com amor eterno eu te amei, diz-nos o Senhor. Já no Antigo Testamento a misericórdia de Deus se manifestava a um povo “de cabeça dura”, como diria Moisés, ao mesmo tempo que cantava o  hino de louvor pela presença de Deus na história. Os Patriarcas e Profetas não cessavam de anunciar este amor, prefigurando-o no amor que Deus depositara em nosso coração, na simbologia dos corações amantes, do esposo que não abandona a esposa apesar de sua infidelidade: “vai  novamente, e ama uma mulher que é amada por outro e é adúltera; como Javé ama os Israelitas, embora eles se dirijam a outros deuses” (cf. Os. 3,1), imagens retomadas por Isaias e Jeremias. Vale relembrar o texto de Isaias proclamado na 1ª leitura da liturgia deste domingo: ainda que a mão esqueça o rebento de suas entranhas, eu jamais te esquecerei (cf. Is. 49, 15).

Já se fazia sentir, nessas profecias, a vinda do Messias, que pelo “sim” de Maria assumia um corpo e que  pela união hipostática, o elevava à participação plena da divindade. Duas naturezas, uma só pessoa, definiu o concílio de Nicéia e igualmente reafirmou-se em Éfeso, quando São Cirilo de Alexandria proclamou solenemente que Maria é Mãe de Deus.

Como homem expressou todos o sentimentos humanos. Seu Coração, integrante de seu Corpo, como o nosso coração,  se manifestou visivelmente no seu amor para conosco. Percorrendo as páginas do santo Evangelho, o vemos compadecendo-se das necessidades e misérias humanas. Em Caná, atendeu às súplicas de sua Mãe e apiedou-se dos noivos quando lhes faltou o vinho que alegrava a festa. Curou os enfermos, atendeu os que não pertenciam ao seu povo e louvou a sua fé. Misericordioso, ao povo faminto alimentou no deserto e lhes anuncia o Pão da Vida Eterna. Chora sobre sua Jerusalém que não conhecia quem lhe poderia trazer a paz. Na ternura de seu coração perdoa a Madalena e anuncia à samaritana o manancial das águas eternas. Chora diante do sepulcro de Lázaro e comove-se pelo que iria fazer: trazê-lo de volta à vida. Sentiu profundamente sua Paixão, quando chegou a suar sangue e ao oferecer sua vida na Cruz, sofrendo o abandono do próprio Pai.

Os sentimentos humanos são expressos pelo coração. O culto de adoração que tributamos ao Coração de Jesus é o que tributamos a toda a sua pessoa. Não nos detemos na imagem que veneramos e que serve aos nossos olhos para nos elevar àquele que em união com o Pai e no Espírito é a essência do Amor e em que se manifesta toda a caridade divina, espiritual e afetiva. Um coração que nos ama e que na sua humanidade sente conosco os sofrimentos e alegrias.

Como, então não amar a tão grande amante? Como não abraçá-lo fortemente? pergunta São Boaventura. E vendo que a humanidade ainda hoje o ofende, como não lhe dar reparação? Sentir sua queixa e consolá-lo, porque foram esses pecados e esse abandono que Ele sentiu na sua Paixão, de que fala o salmista: procurei quem comigo se contristasse e ninguém me consolou.(cf.Salmo 69)

Na cruz, Jesus teve seu coração aberto pela lança do soldado. Santo Agostinho nos diz que a Escritura não usa outro termo, senão abriu. É uma porta sempre aberta, donde jorra a misericórdia de Deus. No prefácio da missa, a Igreja glorifica a Deus, porque neste Coração aberto, sacrário da largueza do amor divino, espiritual e humano, encontram as almas amantes e pias o seu repouso e nós, pecadores, um refúgio seguro.

Num mundo sem amor, onde se vê imperar o ódio, no Coração Divino de Jesus podemos encontrar a paz. Deixemo-nos abrasar por seu amor e a Ele confiemos todas as nossas preocupações. Coloquemos nossos lábios na sacrossanta chaga do seu coração e bebamos da água que aí brota e jorra para a vida eterna.



 
 
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