Palavra é partilha...Eucaristia é partilha... |
Por: DOM EURICO DOS SANTOS VELOSO
ARCEBISPO EMÉRITO DE JUIZ DE FORA, MG. |
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Caminhavam os discípulos, solitários, pelo caminho, tristes e angustiados em seus corações. Afinal, naquela semana que se passara, desmoronaram-se os seus sonhos, apagara-se a chama de sua esperança. Talvez ainda fumegasse o seu pavio na recordação das palavras do Mestre que fora crucificado: “nós esperávamos que ele haveria de libertar Israel, mas, além de tudo isso, já faz três dias que estas coisas aconteceram” (Cf. Lc. 24,21). E perpassavam em suas mentes e na sua conversa os acontecimentos que marcaram suas vidas.
Caminhamos também sozinhos e, nos acontecimentos de cada dia, aconteceram também nossa fé e nossa esperança. Dias radiosos. De repente, porém, surgem montanhas de obstáculos. Nuvens espessas toldam a nossos olhos a luz do Sol. Abate-se sobre nós a dúvida e quedamo-nos diante das forças contrárias. Se externas, ainda tentamos ver motivos para a luta. Mas, como ensina o livrinho da Imitação de Cristo, quando fala do real caminho da santa Cruz, é que temos também as tentações internas. Somos pesados a nós mesmos. Somos “tardos de coração” para crer que, no dia-a-dia, está sempre presente a misericórdia de Deus.
Era o primeiro dia da semana, “algumas mulheres de nosso grupo nos deixaram espantados, foram aos sepulcro de madrugada e não acharam o seu corpo” ( Cf. Lc.24,22). Era o primeiro dia da nova criação, o primeiro dia do Dia Eterno.
Jesus surge como o primeiro caminhante da nova estrada e, ao lado dos discípulos que ainda tateavam no lusco-fusco da luta interior entre a dúvida e a esperança, lhes mostra no horizonte o clarão do arrebol, o nascer do Sol da Justiça, abrindo seu coração às Escrituras. ”Não era necessário que o Cristo sofresse estas coisas para entrar na sua glória” (Cf. Lc.24,26) E, à medida da caminhada, sentiam seu coração arder no fogo do Espírito Santo.
“Fica conosco, Senhor, porque já é tarde e o dia já se acaba” (Cf. Lc. 24,29). O dia da natureza, porque o Sol Eterno estava com eles e eles o queriam, queriam sentir a sua luz e seu calor. Sentados à mesa, reconheceram o Senhor no partir o Pão. Na partilha que tinham aprendido com o Mestre. Alimentados por esta Força, saíram a anunciar aos outros a vitória da cruz.
A partilha. Sinal do Novo Reino. A Palavra “não foi feita para dividir ninguém. Palavra é a ponte onde o amor vai e vem”, cantamos freqüentemente. Temos a Palavra da Verdade, não a podemos esconder. Ela foi-nos dada para incendiar o mundo, sarando os corações contritos e anunciar a libertação. Fazerem os corações, conhecendo a misericórdia de Deus, arderem de amor e, na esperança já possuírem os bens eternos. ”Vós sois a luz do mundo...E também não se acende uma luz para pô-la debaixo de um móvel” (Cf. Mt.5,14-15).
Vivemos um contexto sócio-cultural “marcado pelo crescente individualismo, hedonismo e falta de solidariedade e apoios social” (Cf. S. S. Bento XVI –aloc. em Congresso no Instituto João Paulo II) A partilha da Palavra de Deus é um “óleo sobre as feridas”(tema do Congresso)que as pedras do caminho provocam. A Palavra de Deus, partilhada alivia as dores e encoraja a viagem. Mostra aos homens o Sol da Justiça, o Cristo ressuscitado.
Ainda nesta semana, tantos foram os acontecimentos de morte que marcaram as notícias e que feriram nossos sentimentos cristãos, todos eles derivados do pecado que domina a sociedade sem fé. E preciso que, nós, que a recebemos e cremos na bondade de Deus que, ressuscitando seu Filho nos deu a vida, partilhemos essa riqueza com os que jazem nas sobras da morte.
Caminhemos na estrada da vida ao lado do irmão, anunciando-lhe a paz que jorra das chagas gloriosas de Cristo.
E, quando nossos corações começarem a arder pelo fogo do Espírito Santo. Sentemo-nos todos à mesa e partilhemos o Pão. Nesse espírito, nenhum de nós pode se sentir avaro, como se só ele fosse o senhor da verdade.
Na Mesa da Palavra, na Mesa da Eucaristia, só reconheceremos o Ressuscitado, só partilharemos da sua glória se reconhecemos em cada um convidados em cada um dos convivas o rosto de nosso irmão nele resplandecendo a face de Cristo.
Então sim, reconheceremos o Senhor Jesus e, desta Mesa poderemos anunciar ao mundo a Esperança que nasce da cruz redentora em Cristo Ressuscitado e aguardar a “cidade santa, Jerusalém que descia do céu, de junto de Deus, tendo nela a glória de Deus” (Cf. Ap.21,10).
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