Uma festa para Jesus |
Por: DOM EURICO DOS SANTOS VELOSO
ARCEBISPO EMÉRITO DE JUIZ DE FORA, MG. |
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O Evangelista João narra, logo no começo do seu Evangelho, que houve um casamento em Caná da Galiléia e que Jesus e seus discípulos foram convidados e lá compareceram.
Não deveria ter sido uma festa de poucos participantes, pois a descrição nos informa que havia serventes, que hoje chamamos garçons, e mestre de cerimônias e que acabou a bebida, o vinho. Foi quando a Mãe de Jesus interveio e disse ao Filho, na preocupação com a angustia dos noivos, “Eles não têm mais vinho”. Conhecemos a resposta de Jesus e sabemos também a determinação de Maria que mandou aos serventes: “fazei tudo quanto Ele vos disser.”
A água transforma-se em vinho de tal qualidade que o mestre de cerimônias repreende o noivo por não tê-lo servido logo que a festa começou. E o Evangelista conclui: “Deste modo iniciou Jesus, em Caná da Galiléia, os seus sinais “ (Cf. Jo. 1,11)
Jesus quis iniciar seu ministério exatamente numa festa que celebra a única bênção que não foi tirada da Humanidade pelo pecado e, na figuração do vinho novo, a riqueza que o Novo Tempo acrescentava: a santificação do ato.
São Paulo escrevendo aos Efésios realça a importância do casamento na nova Economia; “Este mistério é grande: eu o digo em relação a Cristo e à Igreja.” A sublimidade do amor conjugal com toda a riqueza humana que ele encerra não era oculta já na antiga Lei, quando todas as figuras literárias e proféticas do Livro Santo e da Tradição faziam dele a imagem do relacionamento de amor de Javé a seu povo eleito.
No Evangelho de Mateus (Cf. Mt.19,3-10), Cristo reafirma, com autoridade, a união perene do homem e da mulher no vínculo do amor conjugal, ”os dois serão uma só carne”, ab-rogando em definitivo a permissão mosaica concedida “por causa da dureza de vosso coração; mas no começo não era assim”.
Gostaria de ilustrar com um caso de nossos dias, que conheço, de um amor, talvez começado com um olhar ou um tom de voz, entre dois jovens. Ainda no tempo de conhecimento recíproco, o rapaz foi acometido de câncer. Cirurgia após cirurgia. A moça ficou ao seu lado e a ele se uniu em matrimônio num momento em que os médicos julgavam ver superada a propagação da doença que, no entanto, insidiosa, continuava o seu progresso até que algum tempo depois ele partiu em seus braços.
Isso acontece num momento em que tantos irresponsavelmente traem o compromisso matrimonial contraído perante Deus e a Igreja. É alentador.
O casamento tem de ser bem preparado. Primeiro pelos próprios namorados e noivos, conscientes de que vão começar uma vida, não a dois, mas na unidade, na entrega total mutua para serem um entrelaçados pelo amor, um amor que emana do amor eterno que na Trindade das Pessoas é Um só Deus: “qui cum Unigenito Filio Tuo et Spiritu Sancto unus est Deus unus est Dominus: non in unius singularitate personae, sed in unius Trinitate substantiae” (Do prefácio SS.Trindade).
Nos cursos de preparação não podemos nos desviar deste princípio fundamental que a graça sacramental vem confirmar e ajudar do primeiro ao último dia de suas vidas.
A celebração deve ser festiva. Não nas suntuosidades exteriores, fúteis e vazias. Tem de ter a beleza que o ato exprime. O beijo que sela perante Deus e a Comunidade o amor perene a entrega total de um ao outro e que será a imagem do amor de Deus ao seu povo, a imagem do amor de Cristo à sua Igreja.
Como é triste ver hoje, sobretudo nos meios de comunicação, o desprezo pelo casamento e que se propaga na deterioração da educação e formação dos jovens.
O amor se rebaixa ao sexo mais sórdido e violento, sem respeito à pessoa. A beleza e toda aquela riqueza de sentimentos do ato conjugal é como que lançada no lixo. As pessoas deixam de ser agentes para se tornarem objeto que se usa e joga fora. O amor, aquele fogo que arde sem se consumir, é desprezado.
Matrimônios se desfazem à menor brisa contrária na figura de outra mulher ou outro homem que destrói o fundamento do amor, como cupins que corroem o leito conjugal.
Jesus fez da santificação do casamento o primeiro sinal do seu Reino. Ao transformar a água em vinho, não usou nem a fermentação do vinho velho. Colocou-os em talhas novas pois não se coloca vinho novo em odres velhos ( Cf. Lc. 5, 37-39).
Nós, cristãos, não podemos deixar que a sublimidade deste sacramento, que a grandeza do matrimônio se perca ou seja atirada como pérola aos porcos (Cf. Mt.7,6). Mostremos ao mundo o vinho novo da Páscoa Redentora. Somos novo vinho, novo fermento pelo Cristo Nosso Senhor.
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