O Equívoco do Exmo. Sr. Presidente da República |
Por: DOM EURICO DOS SANTOS VELOSO
ARCEBISPO EMÉRITO DE JUIZ DE FORA, MG. |
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Há poucos dias, o Sr. Presidente da República, em reunião com o seu Ministério, querendo chamar atenção dos mesmos, fez uma comparação com a “Última Ceia de Jesus”, no sentido de que cada um se isola do outro, faltando diálogo e comunhão. Infeliz comparação. Muitas pessoas me procuraram lamentando tal fato, causando em todos, e a mim também, perplexidade e, porque não dizer, uma certa indignação, uma santa indignação.
Como não percebi nenhuma reação sobre tal fato, resolvi fazer esse pronunciamento como uma Carta Aberta.
Dirijo-me ao Exmo. Sr. Presidente da República como meu irmão pelo batismo e no espírito fraterno, respeitoso, faço pública a minha santa indignação. Realmente, foi uma comparação infeliz, impensada, em razão do que a Santa Ceia representa para os cristãos católicos.
O que é a Santa Ceia, a Última Ceia de Jesus com seus apóstolos, para nós, seus seguidores, “Discípulos Missionários”?
Jesus participou de muitas outras ceias com seus discípulos, seus apóstolos. Por isso, se fala da última ceia. É muito importante para nós como foi para o próprio Jesus. Trata-se da ceia do Senhor Jesus com seus apóstolos (Cf. I Cor 11,20), na véspera de sua paixão, de antecipação da ceia de bodas do Cordeiro (Cf. Ap 19,19) na Jerusalém Celeste.
Ao celebrar a Última Ceia com seus apóstolos durante a refeição pascal (ceia pascal), Jesus deu o sentido definitivo à páscoa judáica, com efeito, a Páscoa nova, é antecipada na Ceia e celebrada na Eucaristia que realiza a Páscoa judáica e antecipa a Páscoa final da Igreja na glória do Reino.
Por isso, meu caro irmão Lula, os cristãos, católicos, guardam um grande respeito à Última Ceia. Foi naquela noite que Jesus se entregou para a morte depois de ter ceiado com seus apóstolos e instituído o Sacrifício Eucarístico do seu Corpo e Sangue, por ela, se perpetua pelos séculos o Sacrifício da Cruz, e confiando destarte à Igreja o Memorial de sua morte e Ressurreição. É o Sacramento, o sinal sagrado, do amor, o sinal de unidade, vínculo de caridade, banquete pascal em que Cristo é recebido como alimento. A Eucaristia é “fruto e ápice de toda a vida cristã”.
Exmo. Sr. Presidente, meu irmão, a instituição da Ceia, da Ceia de Jesus, é verdadeiramente de decisiva importância para a fundação da Igreja e para a auto-compreensão de Jesus como mediador de Salvação. A realidade indicada com o termo “eucaristia” funda-se na última ceia de Jesus (cf. Lc 22,14-23; I Cor 11, 23-26).
Foi aí que Ele, segundo suas palavras, faz a oblação do seu próprio “corpo” e do seu próprio “sangue” em alimento, sob a aparência do pão e do vinho. O sentido contido nessa ação nasce da situação e dos conceitos usados. De fundamental importância é o pensamento de morte: Jesus aceita conscientemente o próprio destino e o vincula como conteúdo central de sua pregação. Ele fala e faz. Promete e realiza. Cumpre o que fala. Concebe aquela refeição escatologicamente como antecipação do banquete definitivo. Enfim, na Última Ceia de Jesus, é constitutiva a idéia de comunidade, bem como a sua união com seus amigos, os apóstolos, e a fundação da Comunidade destes amigos entre si.
Portanto, meu irmão Lula, para nós, cristãos católicos, a Santa ceia foi a última ceia de Jesus e, em todas, como podemos imaginar e deduzir, houve diálogo, compromisso, união e modo de agir em sintonia uns com os outros; comprometimento e fidelidade ao Mestre que ofereceu voluntariamente sua vida por todos nós, por você também. Nela instituiu a Eucaristia. Sua presença no pão e no vinho, seu sacrifício, incruento, antecipado: Corpo dado, sangue derramado. Nela Ele perpetuou a sua memória: fazei isso em memória de mim. Nela determinou o mandamento do amor, da fraternidade, do serviço ao irmão. E tudo isso perdura até os nossos dias.
Compromisso de amor, de fraternidade, de serviço, de unidade. Bem diferente de sua reunião com seu Ministério. Como comparar com a Ceia? Por isso, lamento o equívoco e expresso, através desta, a minha indignação com tal comparação.
A não ser que V. Excia. tomou como exemplo a única pessoa desligada dos apóstolos, que traiu o Mestre Jesus: Judas Iscariotes. Porém, de qualquer maneira, no tocante, a Ceia do Senhor, a Santa ceia, merece uma reparação, um pedido de desculpas.
Dom Eurico dos Santos Veloso
Arcebispo Metropolitano de Juiz de Fora – MG
Aos 25 de janeiro de 2008.
Festa da Conversão de São Paulo, apóstolo.
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