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O renascer da esperança
Por: DOM EURICO DOS SANTOS VELOSO
ARCEBISPO EMÉRITO DE JUIZ DE FORA, MG.
 
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A repetição dos acontecimentos sejam eles alegres ou tristes, luminosos ou obscuros, muitas vezes tão escuros como as trevas da noite, geram nos corações dos homens a insensibilidade. Acostumamo-nos com as notícias e já não nos causam impactos sobretudo hoje com as comunicações instantâneas pelos mais diversos meios. Ouvimos, vemos e passamos adiante como se nada houvesse. E ficamos aguardando as próximas.

Nosso horizonte se limita no tempo, perdida a consciência da eternidade, ínsita em nosso ser. Ficamos apáticos. Uma descrença como se nós mesmos não estivéssemos envolvidos nesse tumultuar das ondas, prestes a submergir, a desaparecer.

As festas e solenidades nada nos dizem senão dos apelos comerciais e de satisfação dos sentidos que se esgotam pela exaustão das condições físicas e psíquicas, encerradas na contingência do ser.

Deslocamos nosso fim último para o êxito temporal que se desfaz como folhas secas que o vento leva sem destino.

O Advento nos faz reverter essa situação. A um povo triste e desanimado, espoliados pelos grandes da terra, o anúncio profético enche de esperança.

Como ouvir esse anúncio nos dias de hoje? Como transpor uma mensagem que parece alienada remetendo-nos a um futuro que não parece condizer com a realidade temporal.

Acostumamos a ouvi-la como crianças que aguardam o Papai Noel, um tempo de alegria efusiva que termina com o reveillon e prolonga-se um pouco até o carnaval. Sucumbimos aos apelos da “mídia”.

Não penetra fundo em nossos corações. Não representa uma esperança de nova luz na vida individual e na sociedade, pois além da insensibilidade e do cansaço provocado pela sucessão ininterrupta dos acontecimentos, vivemos numa sociedade que vem perdendo a fé.

O horizonte de nossa vida vem se retraindo. A técnica e a ciência trabalham para prolongá-la e satisfazê-la no plano temporal e sucumbimos numa vã esperança de com isso satisfazermos os anseios do nosso coração. A filosofia moderna insiste que a ciência é nossa esperança.

Mas Agostinho, conhecedor profundo do coração do homem pode exclamar: “fizestes-nos para Vós, Senhor, e o nosso coração está insatisfeitos enquanto não repousa em Vós.”

Realmente no meio de toda essa evolução que tem o seu sentido de valor humano, mas insuficiente, limitada que é no tempo e no espaço, angustiamo-nos porque carregamos conosco a condição herdada do pecado, a inveja, a avareza, o orgulho e o desamor. A imortalidade nestas condições seria penosa, ensina Santo Ambrósio. Ficarmos vivos para continuar numa terra sem esperança, onde dominam os mais fortes e poderosos coma espoliação dos fracos, valeria a pena?

O sentido de nossa esperança é outro. Promovida pela graça, é uma vida plena e feliz não só individualmente mas também na comunidade. Ultrapassa os limites desta vida. Temos a ânsia da vida eterna, o conhecimento do Pai e daquele que Ele enviou (Cf. Jo 17,3), a nossa realização pessoal, a superação da morte, conduzidos pelo nosso Pastor que passou, Ele próprio pelo vale da morte e nele, pela sua ressurreição, abriu-nos o caminho da felicidade e da vida.

“A fé”, ensina a Carta aos Hebreus, “é a realidade dos bens esperados, a prova das coisas que não se vêem” (Cf. Hb 11,1). A vinda de Cristo, anseio de todos os povos, na diversidade de suas culturas, certeza para o Povo de Israel veio como dom de Deus. Nele já vivemos a realidade dos bens que esperamos, nele temos a certeza da nossa plena realização. “Na esperança somos salvos”(Cf. Rm 8,24) Depende apenas de nós aceitá-la ou não. “Deus que te criou sem ti, não te salvará sem ti”, novamente nos ensina S. Agostinho.

O Papa Bento XV enriqueceu a Igreja, no sábado passado, com a sua segunda Encíclica que tem por tema exatamente o texto Paulino que acabamos de citar. “SPE SALVI facti sumus» – é na esperança que fomos salvos: diz São Paulo aos Romanos e a nós também (Rm 8,24). A « redenção », a salvação, segundo a fé cristã, não é um simples dado de facto. A redenção é-nos oferecida no sentido que nos foi dada a esperança, uma esperança fidedigna, graças à qual podemos enfrentar o nosso tempo presente: o presente, ainda que custoso, pode ser vivido e aceito, se levar a uma meta e se pudermos estar seguros desta meta, se esta meta for tão grande que justifique a canseira do caminho.”.

Seria muito pouco se nossa esperança se realizasse apenas nos limites do tempo e do espaço. Aspiramos a vida eterna na intimidade de Deus e dos irmãos, na plena felicidade da Jerusalém celeste aonde nos conduz o Mestre e Pastor, que veio a nós na humildade do presépio. Só nele podemos ter certeza da vida em abundância.

 



 
 
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