Nas noites límpidas do deserto
ou na acrópole de Atenas, alguns poucos de nossos antepassados,
nas primitivas civilizações, se perguntavam pela
origem do Universo, enquanto a maior parte de seus contemporâneos
quedavam-se em adoração diante dos astros, especialmente
da lua, porque lhes parecia que dominavam o fluxo das marés
e alguns humores ou se perdiam nas bacanais dionisíacas
dos deuses fabricados pela imaginação dos poetas
que neles exaltavam as potências humanas e os seus vícios
e degradações.
Os gregos, ao buscar a consistência de todas as coisas,
lograram atingir, com a inteligência, a necessidade da
existência de um ser imanente, que por si subsistisse
em todas as coisas. Não mais se adiantavam além
desse passo porque, como todos nós, limitados pelo conhecimento
racional.
Essa busca do Infinito, tinha de ultrapassar as lindes da capacidade
intelectual, teria de ser ampliada pela ânsia do coração.
Teria de procurar um encontro onde se estabelecesse um diálogo
em que o Transcendente iria se manifestar pouco a pouco, à
medida da evolução e do crescimento de toda a
expressão humana não só do indivíduo
mas de todo um grupo.
Para isso o deserto é fértil. Em todos os tempos.
A sabedoria dos sábios se esbarra na sua impotência
de ir além da racionalidade, mas, no deserto, aprofunda-se
o reconhecimento da incapacidade humana e penetra-se na noite
que nos leva à abertura capaz de contemplar as estrelas
e ir além até encontrarmos a Luz “que da
se è vera” (Dante).
Abrão sai do meio do seu povo, sem rumo, perdido, mas
com o coração ao largo. E Javé se lhe manifesta,
o Senhor das Estepes. Com Ele dialoga, confiante, diante da
infertilidade de Sara.
Também na angústia do sacrifício humano,
ao levantar o cutelo para abater o seu filho, como se faziam
com todos os primogênitos, na sua Suméria, sacrificando-os
à lua, Astride.
E sua intercessão diante do que aconteceria ao Sodoma
e Gomorra. Por isso se tornou pai de toda uma multidão
como as areias do mar. E por sua fé nos tornamos seus
filhos, e podemos conhecer, além de nossos sentidos,
Aquele que é, a divina Essência.
À luz dessa revelação, que em Abrãao
foi completa a ponto de se alegrar vendo o Dia de Cristo (Cf.
Jo.8,56), os seus filhos caminharam pelo deserto, ampliando
a sua visão na libertação do Egito, na
glória de Davi e na voz dos profetas até receberem
a Luz que ilumina todo o homem que vem a este mundo (Cf. Jo.1,9).
Com Cristo, a revelação divina se completa, sua
ação no mundo o revela como o Emanuel, o Filho
de Deus e Filho do Homem em quem repousa o Divino Espírito: ”E nós vimos a sua glória, glória
que tem junto ao Pai, como Filho Único cheio de graça
e de verdade”(Cf. Jo.1,14)
No seu batismo, ouve-se a voz do Pai que o proclama seu Filho
amado, enquanto desce sobre sua humanidade o Espírito
Santo (Cf. Mt. 3, 16-17). Na sua vida se manifesta o mistério
trinitário, proclamado, segundo se lê em São
Marcos (Cf. Mc. 1, 24) e São Lucas ( Cf. Lc 4, 34), até
pelos demônios. Manifesta o Pai ao mundo por suas palavras
e por suas obras e o Espírito Santo está sobre
Ele.
Na véspera de sua Paixão abre-nos todo o mistério
da natureza de Deus. O texto de São João é
quase impossível de ser citado em partes, tal a grandeza
da revelação. Mostra-nos Deus tal como Ele é,
uma unidade substancial em três pessoas que de tal forma
nos ama entregando-se totalmente às suas criaturas.
Da filosofia grega, iluminados pela fé, procuram os teólogos
os conceitos da divindade que sintetizam na igualdade e distinção
das pessoas, na essência única da divindade.
Mas acima da teologia e do esforço incapaz de conceber
o mistério revelado pela via exclusiva da inteligência,
Jesus nos deu a conhecer um Deus conosco na sua providência
e no seu amor e que podemos sentir em cada momento.
Talvez a sensação de angústia e medo que
invade o coração de tantas pessoas seja fruto
do desconhecimento deste Deus que caminha conosco. Talvez possam
até dissertar teologicamente sobre o mistérios
divinos com a precisão conceitual das categorias analógicas.
Mas não abrem seu coração à fé
e à correspondência ao amor.
Não conhecem a Deus e não o podem mostrar ao mundo.
O mistério da Santíssima Trindade, a suprema revelação
de Javé, requer um coração disponível
como o de Abraão, para nele penetrar e conhecer a sua
profundidade. Só assim pode-se exclamar com o apóstolo
Paulo: “O’ abismo da riqueza, da sabedoria
e da ciência de Deus...Porque tudo é dele, por
ele e para ele. A Ele a glória pelos séculos!”(Cf.
Rm.11, 34-36)
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