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Javé, Eloim
Por: DOM EURICO DOS SANTOS VELOSO
ARCEBISPO EMÉRITO DE JUIZ DE FORA, MG.
 
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Nas noites límpidas do deserto ou na acrópole de Atenas, alguns poucos de nossos antepassados, nas primitivas civilizações, se perguntavam pela origem do Universo, enquanto a maior parte de seus contemporâneos quedavam-se em adoração diante dos astros, especialmente da lua, porque lhes parecia que dominavam o fluxo das marés e alguns humores ou se perdiam nas bacanais dionisíacas dos deuses fabricados pela imaginação dos poetas que neles exaltavam as potências humanas e os seus vícios e degradações.

Os gregos, ao buscar a consistência de todas as coisas, lograram atingir, com a inteligência, a necessidade da existência de um ser imanente, que por si subsistisse em todas as coisas. Não mais se adiantavam além desse passo porque, como todos nós, limitados pelo conhecimento racional.

Essa busca do Infinito, tinha de ultrapassar as lindes da capacidade intelectual, teria de ser ampliada pela ânsia do coração. Teria de procurar um encontro onde se estabelecesse um diálogo em que o Transcendente iria se manifestar pouco a pouco, à medida da evolução e do crescimento de toda a expressão humana não só do indivíduo mas de todo um grupo.

Para isso o deserto é fértil. Em todos os tempos. A sabedoria dos sábios se esbarra na sua impotência de ir além da racionalidade, mas, no deserto, aprofunda-se o reconhecimento da incapacidade humana e penetra-se na noite que nos leva à abertura capaz de contemplar as estrelas e ir além até encontrarmos a Luz “que da se è vera” (Dante).

Abrão sai do meio do seu povo, sem rumo, perdido, mas com o coração ao largo. E Javé se lhe manifesta, o Senhor das Estepes. Com Ele dialoga, confiante, diante da infertilidade de Sara.

Também na angústia do sacrifício humano, ao levantar o cutelo para abater o seu filho, como se faziam com todos os primogênitos, na sua Suméria, sacrificando-os à lua, Astride.

E sua intercessão diante do que aconteceria ao Sodoma e Gomorra. Por isso se tornou pai de toda uma multidão como as areias do mar. E por sua fé nos tornamos seus filhos, e podemos conhecer, além de nossos sentidos, Aquele que é, a divina Essência.

À luz dessa revelação, que em Abrãao foi completa a ponto de se alegrar vendo o Dia de Cristo (Cf. Jo.8,56), os seus filhos caminharam pelo deserto, ampliando a sua visão na libertação do Egito, na glória de Davi e na voz dos profetas até receberem a Luz que ilumina todo o homem que vem a este mundo (Cf. Jo.1,9).

Com Cristo, a revelação divina se completa, sua ação no mundo o revela como o Emanuel, o Filho de Deus e Filho do Homem em quem repousa o Divino Espírito: ”E nós vimos a sua glória, glória que tem junto ao Pai, como Filho Único cheio de graça e de verdade”(Cf. Jo.1,14)

No seu batismo, ouve-se a voz do Pai que o proclama seu Filho amado, enquanto desce sobre sua humanidade o Espírito Santo (Cf. Mt. 3, 16-17). Na sua vida se manifesta o mistério trinitário, proclamado, segundo se lê em São Marcos (Cf. Mc. 1, 24) e São Lucas ( Cf. Lc 4, 34), até pelos demônios. Manifesta o Pai ao mundo por suas palavras e por suas obras e o Espírito Santo está sobre Ele.

Na véspera de sua Paixão abre-nos todo o mistério da natureza de Deus. O texto de São João é quase impossível de ser citado em partes, tal a grandeza da revelação. Mostra-nos Deus tal como Ele é, uma unidade substancial em três pessoas que de tal forma nos ama entregando-se totalmente às suas criaturas.

Da filosofia grega, iluminados pela fé, procuram os teólogos os conceitos da divindade que sintetizam na igualdade e distinção das pessoas, na essência única da divindade.

Mas acima da teologia e do esforço incapaz de conceber o mistério revelado pela via exclusiva da inteligência, Jesus nos deu a conhecer um Deus conosco na sua providência e no seu amor e que podemos sentir em cada momento.

Talvez a sensação de angústia e medo que invade o coração de tantas pessoas seja fruto do desconhecimento deste Deus que caminha conosco. Talvez possam até dissertar teologicamente sobre o mistérios divinos com a precisão conceitual das categorias analógicas. Mas não abrem seu coração à fé e à correspondência ao amor.

Não conhecem a Deus e não o podem mostrar ao mundo.

O mistério da Santíssima Trindade, a suprema revelação de Javé, requer um coração disponível como o de Abraão, para nele penetrar e conhecer a sua profundidade. Só assim pode-se exclamar com o apóstolo Paulo: “O’ abismo da riqueza, da sabedoria e da ciência de Deus...Porque tudo é dele, por ele e para ele. A Ele a glória pelos séculos!”(Cf. Rm.11, 34-36)



 
 
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