Colunas
 
Na ressurreição de cristo, o sacramento do perdão.
Por: DOM EURICO DOS SANTOS VELOSO
ARCEBISPO EMÉRITO DE JUIZ DE FORA, MG.
 
Leia os outros artigos
 

Ainda nas alegrias e no estupor das primeiras horas da revelação plena do mistério pascal, no mesmo primeiro dia da semana, estando fechadas as portas, o Senhor Jesus encontra-se com os irmãos reunidos e os saúda amorosamente, desejando-lhes a paz. Reitera a saudação: “A paz esteja convosco” (Cf Jo. 20,21).

A voz dos discípulos, embargada, prende-se na emoção de verem o Senhor ressuscitado com suas chagas gloriosas, atestando a vitória da Vida sobre a morte e de onde jorram as misericórdias divinas que se abrem no perdão.

“Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados. A quem os retiverdes ser-lhes-ão retidos” (Cf. Jo. 20,23). Levai avante a missão que recebi do Pai, de anunciar a todos a minha morte e ressurreição redentora. E sobre eles soprou o seu Espírito.

Não podemos dissociar a alegria do anúncio redentor do sacramento do perdão, da administração deste mesmo sacramento.

Temos o vezo humano da imposição, da força, da condenação, da exigência da pena, acima de contemplarmos a maravilha do perdão, a atitude humilde de quem o pede e a grandeza de que o dá.

Vemos, em nossos dias, na esfera social, diante dos crimes que se multiplicam, como a primeira reação e solução que vem-nos à mente é da condenação rigorosa, da conceituação absoluta de catalogar crimes como hediondos, como se isso resolvesse.

No entanto, Cristo, ao dar à sua Igreja o poder de perdoar os pecados, o faz na alegria exultante da vitória da sua ressurreição, no momento em que os corações dos discípulos ardiam na certeza de que o Mestre vencera todas as potestades do inferno e já se predispunham a deflagar no mundo a salvação que nascera da cruz que fizera rolar a pedra do sepulcro que, na escuridão do túmulo, até então, acorrentava a Vida. ”Onde está,ó morte a tua vitória? Onde está o teu aguilhão?”

Quantas pessoas se perdem, quanta pregação é jogada fora, porque nos perdemos em exigências de formalidades extrínsecas ao sacramento do perdão e de exigências que fogem à capacidade humana.

A pregação apostólica insistia na radical conversão de vida e no crer no Evangelho. “Arrependei-vos e convertei-vos a fim de que sejam apagados os vossos pecados e deste modo venham da face do Senhor os tempos de refrigério” (Cf. Atos, 3, 19), pregava Pedro ao povo que crucificara Cristo, para quem, misericordiosamente, estendia a compreensão amorosa de que teriam agido por ignorância.

Converter-se é renunciar ao pecado, é deixar de viver sem lei, é deixar de viver na injustiça. É voltar para o Pai e bater à porta do Reino. Passar das trevas do pecado para a luz da graça.

Neste momento é que a conversão se relaciona com os sacramentos, aquele encontro pessoal com Cristo na sua Igreja na Ele qual dispôs os canais de sua misericórdia.

O primeiro passo para a conversão é a fé nas promessas divinas que se completaram em Cristo. Nos sacramentos, a ação salvadora de Cristo e nosso encontro com Ele realizam uma experiência de fé, desde que não falte nossa cooperação.

Consagrada essencialmente no Batismo a nossa vida, unidos a Ele na Eucaristia, ainda assim muitas vezes caímos. Para isso contamos com outro sacramento de conversão, “uma segunda tábua de salvação”, na expressão de Santo Tomás, instituída por Cristo neste dia maior que todos, da Páscoa.

Ambos restauram na alma a semelhança com o Filho de Deus. Mas enquanto, pelo batismo, somos totalmente libertos por Cristo (Cf. Rm 6,4), no sacramento do perdão, tomamos sobre nós o peso da satisfação pelo sofrimento que nos impomos, que, embora ínfimo, se nutre na cooperação com o sofrimento e a satisfação que Cristo operou na sua vida, paixão e ressurreição.

A instituição deste sacramento e a insistência pelo seu uso é, seguramente, um sinal da divina fidelidade de Cristo. São João na sua primeira carta (Cf. cap. 1,9) nos ensina:”Se confessarmos nossos pecados, Ele que é fiel e justo os perdoará e nos purificará de toda a injustiça”. O reconhecimento humilde, perante Deus e perante a Igreja, de que pecamos e o pedido de misericórdia nos dá a certeza da fidelidade de Deus que atua em nós, em sua graça, pelo sacramento.

Por isso a Igreja, desde os tempos apostólicos, como diz Santo Ambrósio, nunca deixou de demonstrar uma grande abertura para os que erraram e querem com sinceridade voltar ao caminho da salvação.

Os diversos ritos do sacramento do perdão demonstram essa solicitude maternal de encontrar formas, a cada época, de abrir esta fonte que jorra do coração de Cristo para curar os corações contritos, pois “Todo aquele que o Pai me der virá a mim e quem vem a mim eu não o rejeitarei”(Cf. Jo. 6, 37).

Alegremos-nos, pois, no Senhor Ressuscitado, nossa esperança e nossa glória, pois no dia de hoje, ao deixar-nos este sacramento, lembrou-se de nossa fraqueza e nos reconduziu ao caminhão da salvação e da graça enquanto aguardamos o seu Retorno definitivo.



 
 
xm732