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Tempo da Quaresma
Por: DOM EURICO DOS SANTOS VELOSO
ARCEBISPO EMÉRITO DE JUIZ DE FORA, MG.
 
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São Mateus no Evangelho que lemos hoje, quarta-feira de cinzas, nos alerta com o conselho de Jesus que deve nortear a nossa vida penitencial: “Quando jejuardes, não façais como os hipócritas, tristes” (Cf. Mat. 6, 16). Ainda na semana passada, falávamos da alegria que deve brotar da vida do cristão para si e para os outros. O tempo da Quaresma deve assim ser marcado.

Santo Agostinho, no comentário que traça deste texto evangélico, nos diz: “É claro e manifesto que por este preceito, toda a nossa intenção deve ser dirigida para a alegria interior” (Cf. Liv. 2, sobre o Sermão da Montanha, cap. 12, tomo 4). E continua, que nossa penitência não seja senão para nos conformarmos com a imagem do Filho de Deus. Que os homens assim nos reconheçam e não como lobos vestidos em pele de ovelha, ou como ovelhas que querem assim se apresentar para serem pelos homens elogiadas.

Quaresma é um tempo de aprofundamento da vida interior, de morte ao pecado e do triunfo da graça, tanto na vida pessoal como na vida social e comunitária.

Assim a Igreja tem insistido nos últimos tempos, a par da conversão do coração, como clama o profeta: “Rasgai vossos corações e não vossos vestidos e convertei-vos...” (Cf. Joel 2, 13),também para o acolhimento social: “É este o jejum que escolhi: desate as cadeias da impiedade, descarregue os fardos que oprimem, liberte os que estão sob o jugo... reparte o teu pão com o faminto” (Cf. Isaias 58, 6-7).

Neste ano, a Campanha da Fraternidade insiste: “Venha pra nosso meio”. Chamemos os coxos, os cegos, os deficientes, não apenas para lhes dar um lenitivo, seja a muleta que os ampare, os óculos, as próteses e até nossos órgãos após nossa morte ou mesmo antes dela. Tudo isso é belo, é maravilhoso.

Mas, bem superior é quando nasce do nosso coração que os acolhe com são, com suas deficiências, com suas fraquezas. É esta a diferença entre a filantropia e a caridade. Não queremos tirar da nossa frente o deficiente para não vermos a miséria. Vamos acolhê-lo em nosso meio. O beijo nas chagas dos leprosos, como lemos na vida de São Francisco e de outros santos, não querem indicar a coragem e sim, o amor acolhedor, receber o chagado em nosso coração, compartilhando com ele a sua dor.

Sei que na nossa cidade, desde há anos, por inspiração de santos desconhecidos, nas noites frias de inverno, os catadores de papel, os desabrigados são acolhidos no amor por jovens que, muitas vezes, são confundidos com baderneiros, quais Tereza de Calcutá, porque se sentam ao lado daqueles que nada têm, dedicam-lhes dois dedos de prosa, abraçam-nos e, se têm, tomam com eles um gole de café.

Não se vestem como penitentes. São penitentes da alegria. Não se mostram aos homens que por eles passam. No dia seguinte, retornam ao trabalho, ao estudo. No fim de semana tem a sua liturgia que celebram com pompa, que Deus merece, porque se identificam com seu Filho.

Não podemos eliminar a pobreza e a miséria, mas, na acolhida as dignificamos, trazendo para nosso meio os que estão nela mergulhados pelas exclusões sociais. Compartilhamos com eles do que temos, acima de tudo, o nosso coração. Não se sentirão excluídos e todos nos conheceremos como irmãos na casa do Pai.

Essa a verdadeira conversão do coração. Este o caminho que devemos trilhar e mais intensamente neste tempo quaresmal. Quando, na Semana Santa, acompanharmos o esquife do Senhor morto, teremos a certeza de que com Ele ressuscitaremos e brilharemos como astros fulgurantes na eternidade.



 
 
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