Bento XVI: três anos de pontificado |
Por: Pe. Elílio de Faria Matos Júnior
Vigário Paroquial da Paróquia Bom Pastor
Juiz de Fora, MG |
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Aos 19 de abril de 2008, completam-se três anos da eleição de Joseph Ratzinger ao sólio pontifício com o nome de Bento XVI. Naturalmente, surgem algumas perguntas: Qual a avaliação do pontificado de Bento XVI? Qual a marca que principalmente o caracteriza? Que mensagem o papa alemão tem deixado à Igreja e ao mundo?
De início, cumpre notar que existem diferenças entre Bento XVI e seu antecessor João Paulo II. Embora fossem grandes amigos e estivessem bem unidos entre si pela profissão clara e inequívoca da integralidade da fé católica, Ratzinger tem um estilo que bem o distingue de Wojtyla. Por temperamento, Bento XVI é algo tímido e introvertido, enquanto João Paulo II era um grande comunicador que contagiava facilmente as massas.
O polonês nos atingia mais pela visão: falavam sobretudo os seus gestos, e sua fé em Deus e amor aos homens eram mostrados de modo singular pelo seu carisma pessoal, que se nos impunha docilmente; já o papa Ratzinger, como grande teólogo que é, nos atinge principalmente pela palavra: notem-se os seus brilhantes discursos e penetrantes escritos, que mostram a beleza da fé no Deus revelado em Cristo e a necessidade que os homens dela têm. Na verdade, a notória timidez de Bento XVI é sinal da profunda vida interior que cultiva. Sim, em geral, a timidez é indício de intensa vivência interior, e é exatamente da interioridade de Bento XVI que emana a potente luz que transparece em seus discursos e escritos.
A meu ver, o que principalmente caracteriza o pontificado de Bento XVI é a afirmação do primado de Deus. Sim, Bento XVI quer mostrar que o cristianismo é por natureza uma fé que tem Deus por centro. Isso não significa negar o homem ou diminuí-lo, uma vez que, onde Deus não reina, é precisamente aí que o homem é despido de sua mais alta dignidade. "Se Deus não está presente, o mundo desertifica-se e tudo se torna aborrecido, tudo é completamente insuficiente. A grande alegria vem do fato de existir o grande amor, e é essa a afirmação essencial da fé.
Você é alguém indefectivelmente amado. Foi por isso que o cristianismo encontrou sua primeira expansão sobretudo entre os fracos e os que sofriam", disse o então Cardeal Ratzinger em 1996 em entrevista concedida a Peter Seewald. Esse mesmo pensamento apareceu como a base ou o fundamento das duas magistrais encíclicas do papa Bento, uma sobre o amor cristão - a Deus caritas est - e outra sobre a esperança cristã - a Spe salvi.
Bento XVI não quer ver o cristianismo aprisionado por nossas tentações reducionistas. O papa quer mostrar o cristianismo em sua plena luz, fazer ver aquilo que a fé cristã tem de próprio e irrenunciável. De fato, há quem, em seu racionalismo, queira reduzir a fé cristã a mera expressão cultural ou antropológica. Mas a mensagem cristã é um fato transcendente, uma novidade que não poderia jamais ser fabricada pelo homem; vem do alto como um verdadeiro dom de Deus à humanidade.
A afirmação da centralidade de Deus leva Bento XVI a insistir no seguinte: o verdadeiro Deus vem até nós e entra em nossa realidade para valer. Não é um Deus apenas pensado, mas um Deus que se mostra a nós e nos transforma a partir de dentro; um Deus que se nos apresenta com um rosto humano: o rosto de Jesus de Nazaré. Aqui cabe considerar também a Igreja, já que ela é o instrumento pelo qual o mistério do Deus revelado em Jesus chega eficazmente até nós.
Vejamos estas palavras pronunciadas por Ratzinger na entrevista já mencionada, palavras que revelam o profundo sentido do pontificado de Bento XVI: "Consiste (a fé católica) em considerarmos Cristo com Filho vivo de Deus, que se fez carne, que se fez homem; que a partir dele acreditemos em Deus, no Deus trino, Criador do céu e da terra; que acreditemos que esse Deus se debruça, por assim dizer, de tal forma, que pode fazer-se tão pequeno, que se preocupa com o homem e fez história com o homem, e que o receptáculo dessa história, o lugar de expressão privilegiado, é a Igreja. A Igreja não é, nesse contexto, apenas uma instituição humana - apesar de nela ser evidente a dimensão humana -, mas ser com a Igreja e na Igreja, na qual as Sagradas Escrituras são vividas e assimiladas em comum, faz parte da fé."
Na verdade, Bento XVI outra coisa não faz senão procurar mostrar toda a beleza e a profundidade do cristianismo, e, isso, a meu ver, é a inalienável tarefa de um papa. E, ao apresentar a fé, faz questão de mostrar que o cristianismo representa a vitória da inteligência sobre a irracionalidade e o mundo dos mitos. Sim, a mensagem cristã, embora ultrapasse a razão humana, não está, de modo algum, contra a razão.
Ao contrário, as buscas mais legítimas da razão - as questões concernentes ao sentido básico da existência, à natureza do homem e do absoluto - encontram no cristianismo a sua orientação segura, e o que há de melhor nas conquistas racionais da filosofia integra a essência mesma do ser cristão, porque o mesmo Deus que se revelou em Cristo é o autor da razão humana. O cristianismo é, assim, a religião não só da fé mas também da razão, uma vez que afirma que agir contra a razão é agir contra o próprio Deus. Essa é a lição fundamental que o papa Ratzinger nos deixou com sua famosa, profunda e polêmica, já sabemos o porquê, Aula Magna na Universidade de Regensburg em setembro de 2006.
Em suma, vejo Bento XVI como um grande dom de Deus à Igreja neste começo de milênio. No fim das contas, a grande questão que o papa põe a si mesmo, à Igreja e à humanidade inteira é a questão da verdade. Hoje muitos já não acreditam na possibilidade de o homem atingi-la. Mas Bento XVI não vê como não colocar a questão, já que o problema da verdade é o único que, em última análise, realmente interessa ao homem.
E o papa sabe que a verdade básica sobre o sentido de nossa vida pode ser alcançada através do conúbio entre a fé e a razão. Não estamos cegos e sem rumo. A direção existe. E não há motivo para temer que a justa afirmação da verdade seja causa de intolerâncias, uma vez que a Verdade que nos ilumina se identifica com o Amor que nos enche de cuidado pelo outro!
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