Entre a morte e a Ressurreição
Corporeidade |
Por: Pe. Elílio de Faria Matos Júnior
Vigário Paroquial da Paróquia Bom Pastor
Juiz de Fora, MG |
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A tese que postula a ressurreição na morte implica, segundo Ratzinger, uma deslocalização do próprio conceito de ressurreição, uma destemporalização da criatura humana e, como conseqüência, uma desmaterialização próxima do gnosticismo. A nova tese parece sucumbir ante o que pretendia negar: o dualismo.
Diante, então, da pergunta inevitável – como será a corporeidade da ressurreição? -, Ratzinger diz que o material bíblico não se preocupa em determinar a exata natureza de tal corporeidade, mas assegura que “a idéia de que ao final, seja como for, a totalidade da criação de Deus entra na salvação resulta tão clara que qualquer sistematização reflexiva sobre o material bíblico tem de ter muito em conta essa idéia”.
Paulo e João oferecem elementos que, a um só tempo, mantêm-se à distância, quer do fisicismo ou naturalismo presente em muitos judeus da época, quer do espiritualismo gnóstico. Tal meio-termo pode ser denominado realismo.
Paulo fala de “corpo espiritual”, expressão que soa algo contraditória, mas que revela a distância quer do fisicismo, quer do espiritualismo. Diante de sua experiência com o Ressuscitado, ficou-lhe claro que a ressurreição não pode ser uma simples revivificação do cadáver. Mas, ao mesmo tempo, insistia na ressurreição dos corpos por ocasião da vinda de Cristo, não obstante o justo estar já em comunhão com o Senhor logo após a morte.
A posição de Paulo faz recordar o capítulo eucarístico de João, que, num outro contexto, conserva também a mesma tensão. O Jesus joanino insiste que a sua carne é verdadeira comida, carne em todo seu realismo, a ponto de mandar ir embora quem não aceitasse sua doutrina; mas, ao mesmo tempo, dizia que é o Espírito que dá a vida, a carne para nada serve. “A 'carne' de Cristo é 'espírito', e o espírito de Cristo é 'carne': só nesta tensão se pode ver o especial e novo realismo do Ressuscitado, acima de todos os naturalismos e espiritualismos”, comenta Ratzinger.
O realismo pneumático da Escritura encontrou uma fórmula madura, segundo Ratzinger, na noção tomista anima forma corporis. Conforme essa noção, que já não é simplesmente aristotélica, ambos – corpo e alma – são realidades, uma a partir da outra, e é por referência mútua que se encontram. Nesse sentido, a alma jamais pode desprender-se totalmente de sua relação com a matéria. Mesmo sem a matéria de seu corpo, guarda em si a matéria de sua existência.
Sendo a alma forma do corpo, resulta que não é determinada matéria que confere identidade à corporeidade. A alma, como forma, está aberta à matéria enquanto tal, não necessariamente presa a esta ou aquela matéria. Prova disso é o fato de que, de sete em sete anos, nossas células renovam-se totalmente. A identidade da corporeidade não depende de determinada matéria, senão da alma. Disso resulta que há distinção entre “organismo” e “corporeidade”. A corporeidade não depende destes ou daqueles determinados átomos ou moléculas, mas simplesmente da matéria que subjaz à força expressiva da alma. A matéria glorificada deixará fulgurar com toda força a expressão do “eu” humano beatificado pela visão de Deus. Deixemos falar o Cardeal Ratzinger:
“A novidade cristã encontrou sua expressão mais vigorosa na fórmula: “A alma é a forma do corpo”. Tomás de Aquino certamente tomou essa fórmula de empréstimo a Aristóteles. No entanto, ele deu ao pensamento deste um significado profundamente novo; e também o Concílio de Viena pôde aí encontrar a expressão adequada a uma antropologia cristã, que ele defendeu nas controvérsias da época como sendo a própria expressão da fé. A partir da fé na criação e na esperança cristã, que se prende à primeira, chegou-se, aqui, a uma posição que supera tanto o monismo quanto o dualismo, e que deveria ser incluída entre os elementos fundamentais e preciosos de uma antropologia cristã. Além do mais, um cristão (e, com mais forte razão, um pensador) não deveria considerar o monismo como algo de menos perigoso e menos fatal que o dualismo. A partir da fórmula antropológica de Tomás de Aquino, não posso deixar de aprovar (com a condição de que seja bem compreendida) a declaração de Greshake: 'Para mim o conceito de uma alma libertada do corpo não é absolutamente um conceito'. Que o homem, durante toda a vida, integre a si a matéria e que, por conseguinte, mesmo na morte, não rejeite este laço que tem com ela, mas o leve consigo, constitui, dentro da perspectiva supracitada, algo de absolutamente claro. Somente assim a relação com a Ressurreição assume todo seu sentido. No entanto, justamente por este fato, não há necessidade de se negar o conceito de alma, nem de substituir a alma por um novo corpo. Não é este ou aquele corpo que fixa a alma, porém é a alma que continua a existir e que retém em si, interiorizada, a matéria de sua vida, esperando impacientemente o Cristo ressuscitado, para uma nova união entre espírito e matéria, união que se abre nele.”
Note-se que para Ratzinger o homem ressuscitado na consumação do mundo manterá uma relação nova com a matéria, transfigurada pela glória divina, relação essa que, de algum modo, implica o universo cósmico, já que pertence à essência mesma do homem o relacionar-se com os outros e com o mundo. O éon da futura glória será o arrematamento da criação, então plenificada pelo Espírito e integralmente salva.
Ademais, assegura-nos Ratzinger:
“... não há maneira alguma de imaginar-se o novo mundo. Tampouco dispomos de uma classe de enunciados concretos que nos ajudem a imaginar, de alguma maneira, como o homem se relacionará com a matéria no novo mundo e como será o 'corpo ressuscitado'. Mas temos segurança de que a dinâmica do cosmos leva a uma meta, a uma situação na qual matéria e espírito se entrelaçarão mutuamente de um modo novo e definitivo. Esta certeza segue sendo também hoje, e precisamente hoje, o conteúdo concreto da fé na ressurreição da carne”.
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