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Entre a morte e a Ressurreição
Introdução - Reflexões sobre a teologia de Joseph Ratzinger
Por: Pe. Elílio de Faria Matos Júnior
Vigário Paroquial da Paróquia Bom Pastor
Juiz de Fora, MG
 
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O tema desta nossa palestra - “Entre a morte e a ressurreição”- , que figura no programa que os senhores receberam, é, na verdade, o título de um artigo do então Cardeal Joseph Ratzinger publicado, em 1982, na edição brasileira da Revista Communio. A Communio é uma revista de teologia e cultura, que, como se sabe, foi fundada em 1972, no clima do pós-concílio, por estes três gigantes da teologia dos últimos tempos: Von Balthasar, De Lubac e o próprio Ratzinger.

Pois bem. Trataremos de refletir, nos limites de nossa frágil competência, sobre um tema que toca o enigma do ser humano: o mistério da vida e da morte. Refletiremos, é claro, com base na fé cristã, que nos apresenta a promessa da ressurreição, fé essa, tal como pôde apresentá-la o teólogo Joseph Ratzinger.

Não duvido de que o desejo de todos os homens é o de viver, viver para sempre e viver uma vida feliz. Está inscrito no coração humano uma propensão para a vida perene, mas não para  qualquer vida, e sim para uma vida feliz. Vida feliz e perene, eis nosso grande afã. No entanto, nossa experiência mais banal constata que esse profundo anseio da alma humana é contraditado pela dor e pela morte. Seria o homem uma paixão inútil?

A fé cristã afirma que fomos criados por Deus e para Deus, de modo que n'Ele nossa vida tem sentido; n'Ele, que se revelou a nós no rosto humano de Jesus, nosso desejo de vida eterna e feliz tem resposta. Aliás, o próprio desejo de imortalidade é uma marca do Deus imortal em nós, para que o procuremos e n'Ele descansemos. A grande promessa do Cristianismo é a vitória da vida sobre a morte. O éon presente será transfigurado, e teremos um novo éon. Novos céus e nova terra, prefigurados já na Ressurreição de Cristo, pedra de toque da fé cristã.

Nossa reflexão girará em torno do mistério da morte, que é uma certeza para nós – todo homem é mortal -, e da ressurreição, que é a promessa mais clamorosa da fé cristã, isto é, é uma das singularidades do Cristianismo. Morte e ressurreição, pois. É claro, não faremos uma fenomenologia da morte nem da ressurreição; esta é para os crentes que vivemos ainda neste éon uma coisa ainda do futuro, embora já se tenha dado em Jesus, que, em sua humanidade, é o homem levado à plenitude de sua vocação divina. Mais precisamente, a nossa reflexão focalizará a relação existente entre a morte e a ressurreição, e, desse modo, só tocará o problema da morte e da ressurreição enquanto tais na medida em que isso interessar à mencionada relação. Os novíssimos (céu, inferno, purgatório) não figurarão de per si na reflexão. Trataremos, portanto, de como, na visão do teólogo Ratzinger, se conjugam as duas coisas, a morte e a ressurreição. Os textos em que nos apoiaremos são basicamente dois: o já citado artigo intitulado “Entre a morte e a ressurreição”, e o livro “Escatologia”, um verdadeiro tratado sobre a escatologia cristã, escrito pelo ainda padre Ratzinger em 1977, que compõe, como o IX volume, o Curso de Teologia Dogmática de Auer/Ratzinger.

De início cumpre notar o seguinte: lidamos aqui com um assunto delicado. Não nos é possível descrever o além como descrevemos o aquém. Aliás, o mundo mesmo que nos é acessível pelos sentidos apresenta-se, sob muitos aspectos, como misterioso. Basta acenar para as complexidades da própria matéria, que se fazem intensas no nível micro. Diz Ratzinger em Escatologia: “A transmissão da fé não tem como finalidade a satisfação da pura curiosidade. Sempre que essa transmissão sobrepassa o âmbito próprio da experiência humana, não se trata de entreter senão de orientar”.

A fé cristã na vitória da vida sobre a morte expressou-se através de várias imagens, que, na verdade, serviram para expressar a sua intencionalidade profunda. As imagens não devem ser confundidas sem mais com a própria fé. Surge então a pergunta decisiva, levada hoje, época de mudanças de mentalidade e cosmovisões plurais, a um grau de intensidade jamais visto: qual a intencionalidade profunda da fé, malgrado as várias imagens que lhe servem de veículo, inclusive imagens caras à religiosidade popular? Nessa questão transparece a tensão, legítima em si mesma, entre fidelidade à tradição e interpretação. Acontece, porém, que não é legítimo apropriar-se do dado transmitido e levar a cabo uma sua interpretação que, em última análise, fá-lo dizer aquilo que não queria absolutamente dizer. É preciso interpretar, é preciso transmitir a fé em contextos novos, mas sem jamais traí-la. São Palavras do Cardeal Ratzinger:

“... a Igreja se encontra hoje diante de uma dupla necessidade: de um lado, é preciso salvaguardar, com perfeita fidelidade, as verdades fundamentais da fé; de outro lado, em meio à confusão espiritual de nossa época, o dever de interpretação tornou-se particularmente imperioso, para que a fé seja comunicável também em nossos dias. É possível que exista certa tensão entre a interpretação e a fidelidade; estas, porém, não estão menos indissoluvelmente ligadas entre si: somente quem torna a verdade novamente acessível e a transmite efetivamente, é que se mantém fiel a ela. Inversamente, porém, podemos dizer que somente quem permanece fiel à verdade pode dar a esta uma interpretação exata. Uma interpretação que não é fiel já não é explicação, porém, antes, falsificação. [...] Se ao término de minha interpretação, honestamente não estou mais de acordo com a palavra a ser interpretada, se já não posso pronunciá-la de boa fé, é sinal de que fracassei na minha tarefa de intérprete”

 Para Ratzinger, ademais, há um sujeito vivo no qual vive a herança deixada pelo Senhor. No seio desse sujeito, identidade e evolução não se opõem, pois ele assegura a coesão de ambas; é garantia da legítima identidade na evolução da compreensão e, como tal, critério hermenêutico para o homem de fé. Tal sujeito é a Igreja.



 
 
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