Com a palavra...
 
Vida cristã e oração
Por: Dom Fernando Mason
Bispo Diocesano de Piracicaba
 
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Costumamos "definir" a oração como uma fala com Deus: eu falo com Deus. Mas não poderia ser o contrário: a oração é a fala de Deus comigo? Deus fala comigo. Essa formulação, no entanto, não é muito feliz, pois já usamos o termo Deus, tornando-o algo colocado à nossa frente como um sujeito humano que fala comigo; além disso, coloca a ação em Deus, tornando o orante passivo.

A fala de Deus comigo. A dificuldade dessa formulação é Deus. Quem é ele? Como fala comigo? Onde se encontra? Não o vejo, não o ouço, não o toco. Posso certamente imaginar um Deus, com o qual entro em contato. Mas não estaria então falando com a imagem projetada por mim? Não estaria então falando comigo mesmo?

Como é então a oração? É a ressonância do divino. Um exemplo para entender isso. Um organista, debruçado sobre o órgão, toca uma fuga de Bach. O livro com as notas musicais está diante de si. Os dedos transmitem a leitura das notas ao órgão. Dali surge a música. Todo o seu ser é concentração. Para onde se concentra? Para a ressonância da melodia de Bach, a fim de ser entoado por ela.

Ser orante é ser ressonância, campo da sensibilidade para o apelo do invisível, inaudível e inconcebível vindo de Deus. A essência da oração é um dom que cai no silêncio da espera, fazendo ressoar a oração. Não é mais o orante que reza. É Deus que entoa o orante. Estar livre para o silêncio da espera é a suprema ação que o ser humano pode realizar.

A busca da ressonância do divino se concretiza como oração em pedir e buscar, sem cessar, com insistência e fervor, a boa vontade, inteiramente aberta ao toque de Deus; como meditação em desarmar e desabitar a mente de representações e idéias alheias à escuta límpida da Palavra de Deus, a exemplo da atitude de Maria (Lc 2,50-51: "Maria, porém, conservava todas essas palavras, conferindo-as no seu coração" e Lc 2, 19-20 diz: "sua mãe conservava todas estas palavras no seu coração); como contemplação para se dispor inteiramente a receber o Reino de Deus e a sua Justiça.

Uma das modalidades mais freqüentes de oração é a oração de petição. Um exemplo: eu estou necessitando urgentemente da cura de doença mortal de uma pessoa amiga. Já esgotei todos os recursos de auxílio humano. Peço a Deus com toda confiança a cura da doença. O que quer dizer "com toda confiança"? Confiança da certeza de que Deus vai me atender como eu acho que devo ser atendido? Digamos que Deus silencie, não me atende; a pessoa amiga é colocada numa situação absurda de um sofrimento inútil; você não mais pode acompanhar com seu poder e seu saber a pessoa amiga no seu caminho de encontro com Deus.

Portanto, pedir com toda confiança é dizer de todo o coração: seja feita a tua vontade. Mas dizer isso significa acolher de todo o coração a impossibilidade de saber, de dizer, de medir o que seja a vontade de Deus! Nesta perspectiva, que sentido tem, então, a oração de petição? Oração não é nenhum mérito no sentido de aquisição de direito que obrigue ao Pai a ouvir o pedido. O pedido se dirige antes à bondade, à benignidade do Pai que nos ama, não porque somos bons, mas porque ele é bom.

A oração de petição é, portanto, a expressão de uma entrega total nas mãos de Deus; é dizer-lhe com ternura e gratidão que o amamos não porque ele nos presenteia, mas porque confiamos, contamos com o seu amor e queremos amá-lo na gratuidade. Por isso amamos a Deus, aconteça o que acontecer. Se Deus não vem ao encontro de nosso pedido, não mais perguntamos: será que Deus é Pai? Em vez disso, dizemos: o que quer dizer esse fato para uma maior compreensão do amor? Essa atitude faz brotar a disposição de em tudo tentar descobrir o bom, tentar ler e decifrar o sentido dos acontecimentos, na certeza de ali encontrar uma manifestação nova do que seja a benignidade de Deus.



 
 
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