Especial - A Bíblia
 
O ângulo de visão da Bíblia ao descrever o êxodo
Enviado por: Eldécio Luiz da Silva
Cursando Teologia no Seminário Diocesano Nossa Senhora do Rosário
Diocese de Caratinga do regional Leste II Paróquia Divino - MG.
 
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Na Bíblia, existem muitas descrições do êxodo: nos livros do êxodo e números; no Deuteronômio; no livro da sabedoria (c.10-19); nos salmos 77, 104, 105, 133; referências freqüentes nos livros proféticos, sobretudo em Isáias (c. 40-55).

Portanto, o fato do êxodo é lembrado em livros de pessoas diferentes, elaborados em épocas diferentes, e é descrito em quase todas as formas literárias possíveis: prosa e poesia, história e profecia, hino e narração, liturgia e sabedoria. Sinal de que se trata de um fato extremamente para a vida do povo: todos dele falavam e todos o comentavam através dos séculos. Qual é o motivo desse interesse tão grande do povo êxodo.

Esse motivo se descobre, analisando a maneira de eles falarem do êxodo.Na descrição desse fato, encontramos as seguintes particularidades que pedem uma explicação:1) repetições freqüentes dentro do livro do Êxodo (duas vezes a história do maná, das codornizes, da água que sai da rocha, da vocação de Moisés, da entrega do decálogo, etc); 2) exageros manifestos como,por exemplo, na poesia de Ex 15 e no livro da sabedoria, quando este descreve as pragas; 3) incertezas desconcertantes: o salmo 77 enumera 7 pragas, o salmo 104 conhece 8 pragas, enquanto o livro do Êxodo relata 10 pragas; mas é sabido que o livro do Êxodo se compõe de três tradições mais antiga: “javista” do século X com 7 pragas, “eloísta” do século IX-VIII com 5 pragas, e “sacerdotal” do século V ou VI com 5 pragas que não combinam com as 5 do “eloísta”; 4)uma acentuação progressiva no aspecto milagroso: o “javista” diz que só a água tirada do rio Nilo virou sangue (Ex 4,9), o “eloísta” diz que toda a água do Egito virou sangue(Ex 7,20), o “ sacerdotal” diz que toda a água do rio virou sangue (Ex 7,19), enquanto  no livro da sabedoria, do século I antes de Jesus Cristo, se dizem coisas mais fabulosas  ainda a respeito das pragas.

Afinal, quantas foram as pragas? Dá a impressão de que o autor ou redator final do livro do Êxodo pensou em dez, achando que era um número bom. O que foi que aconteceu na realidade? Como se realizou a praga da água mudada em sangue? É possível saber o andamento concreto das coisas?

Essas particularidades literárias, descobertas pela exegese moderna, revelam a seguinte preocupação ou ângulo de visão naquele que escreve: 1) A preocupação fundamental não é só contar a história e dar uma “reportagem jornalística” dos acontecimentos do êxodo, mas é, antes de tudo, transmitir, pela descrição da história, o sentido desta para a vida que não pára mas evolui constantemente. Não descreve, mas interpreta o fato. Por isso, não posso aceitar tudo ao pé da letra. A Bíblia me faria cair em contradições. Ela mesma não está interessada no aspecto material nem aceita tudo ao pé da letra, pois repete, exagera, aumenta, deixa incertezas. 2) O interesse fundamental da Bíblia, ou seja, o sentido que ela descobre nos fatos do êxodo, é que lá Deus se revelou ao povo e a ele se impôs como sendo o “Deus do Povo”. Desse contacto com Deus resultou para o povo um compromisso que deve ser observado. É o compromisso da aliança. Na maneira de descrever o fato, a Bíblia quer deixar transparecer essa dimensão divina e revelar que Deus estava presente e atuante naqueles acontecimentos. Assim se explica o aumento progressivo do aspecto milagroso das pragas: era o meio adequado para o leitor daquele tempo poder perceber a dimensão divina dos fatos.

A seguinte comparação esclarece esse ponto. Há fotografia e há raios-X. Livros de história são como fotografias: descrevem aquilo que pode ser observado a olho nu. A Bíblia, porém, é como raios-X: revela na chapa o que não pode ser observado a olho nu. Ou seja, não é possível ver nem apalpar a presença atuante de Deus (cf. Jo 1, 18). Mas o raio-X da fé percebe e revela a sua presença. Há uma diferença entre o ângulo de visão do historiador comum e o da Bíblia. Eles não tem os mesmos instrumentos de medição e de observação. Por isso, os resultados da pesquisa de um e de outro são diferentes, embora não contraditórios: são aspectos diversos da mesma realidade. A descrição bíblica procura apresentar os fatos de maneira tal que o leitor perceba a dimensão divina do passa do e aprenda, a partira disso, a perceber e assumir a dimensão divina daquilo que está acontecendo ao redor dele no momento em que lê a Bíblia. Por isso, condição para poder captar a mensagem da Bíblia é procurar ter os mesmos óculos que teve o autor ao descreve-la.



 
 
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